Mais cedo do que o habitual, com os ponteiros a marcar 20h:30m, os alemães Drone entraram em palco para apresentarem o seu Thrash Metal cheio de influências da geração Groove, que sem verificar uma dimensão, quer sonora quer artística, de nomes como Machine Head ou Fear Factory, com o seu metal industrializado, conseguiram garantir excelentes níveis de entretenimento. Ao som de temas como “Hammered, Fucked and Boozed” conseguiram ganhar a simpatia dos muitos presentes que encheram a sala bem cedo.
A dinâmica que apresentaram em palco contagiou dando origem aos primeiros mosh-pits da noite. Há géneros que de facto têm uma maior probabilidade de funcionarem como bandas de abertura do que outros. Sem tirar mérito aos Drone, este é um deles.
Seguiram-se os Unearth, um nome mais conhecido no meio, voltando a Lisboa quase dois anos após a sua estreia no nosso país, mais concretamente na República da Música. Com novo álbum na bagagem, os norte-americanos brindaram o público com o seu metalcore que em tempos até vingou em famosas coletâneas como o HeadbangersBall mas que hoje em dia é vítima de um estigma claro. Por esta altura todo o género em si é visto com muita desconfiança pelos metaleiros portugueses, salvo raras excepções como o caso de Hatebreed, cujo sucesso nas últimas passagens foi claro. No entanto, a boa disposição geral e a predisposição para demonstrar uma maior abertura de critérios (que nem sempre está 100% presente, é normal, somos humanos), estava claramente espelhada em todo o público na sala. Este “pequeno” pormenor ditou um concerto que certamente ultrapassou as potenciais expectativas. “Watchers of the Rule”, lançado no passado ano, foi apresentado na sua curta actuação e com destaque para o single “The Swarm”.
Longe de representarem o imaginário dos Crowbar, que Trevor Philips publicitava com a sua t-shirt, os Unearth nunca conseguiram romper num meio cheio de exemplos distintos de grande sucesso, como Lamb of God ou até mesmo Killswitch Engage, no seu raio de alcance. Até podem ser banda de segunda linha nesse aspecto mas não saíram de Lisboa sem melhorar a sua relação com o nosso país. No fim ficou claro o aumento da base de fãs e simpatizantes dos rapazes de Massachusetts. Para tal muito contribuiu o grande final de concerto, ao som de “The Great Dividers” com a dupla de guitarristas a subir ao balcão do bar num momento de grande proximidade com o público.
Curiosamente, certos apontamentos ao longo da setlist apresentada fazia relembrar o concerto que os More Than a Thousand deram no final no ano passado na mesma sala. Ambos lotados e com grande interactividade com o público (que por sua vez deu o litro). No fim da noite juntaram-se aos fãs, algo que nunca fica mal.
2014 foi um ano de grandes mudanças na história da banda que mais do que nunca se afirmou como um projecto do guitarrista e fundador Michael Amott. Não deixa de ser legítimo associar os Arch Enemy à figura incontornável da carismática ex-vocalista Angela Gossow: a sua presença em palco e as suas capacidades vocais de certa forma revolucionaram a história do metal, eliminando grandes preconceitos e contribuindo de forma clara para a credibilização da presença feminina neste meio. Não se resumiu ao exotismo da “bad girl” nem se resignou a forçosas afirmações de qualidade de cantora pelo uso de clean vocals. Não sendo caso único foi o que chegou mais longe e abriu portas para os demais projectos que procuram semelhante rumo. Assim será lembrada certamente. Mas o capítulo mudou, de forma politicamente correcta é certo, ficando sempre susceptível da crítica dos seus fãs que ao longo destes anos estavam confortavelmente familiarizados com a vocalista. Não são muitos os casos que tamanho risco tenha comprovado ser frutífero mas, até à data, a entrada de Alissa White-Gutz (ex-vocalista dos The Agonist) no quinteto tem obtido uma grande margem de aceitação, quer pela crítica como pelo público em geral. No Paradise Garage foi exactamente isso que tivemos pela frente: um público rendido.
O conhecido single «Yesterday is Dead and Gone» logo após à introdução, também presente em Khaos Legion, frisou bem a mensagem de que o que se pretendia desta tour não era uma mera imitação do passado. Uma nova cara, uma nova realidade. Assim se deram os primeiros passos para um concerto que trouxe tanto de peso como de melodia, com direito a tudo o que nos apaixonou na cena de Gotemburgo. Death Metal melódico, assim o classificou alguém, e quem somos nós para renegar tal terminologia? Não viraram costas ao passado, algo que seria inaceitável para quem os segue nas últimas duas décadas, mas sublinharam bem o esforço de demonstrar serviço feito com o mais recente álbum War Eternal. Curiosamente, e deixando de parte o trocadilho pouco subtil na escolha do primeiro tema da setlist, foi «Burning Angel» que deu seguimento. Um tema retirado de Wages of Sin, o primeiro álbum com Angela e um ponto de partida para a mundialização da banda que já contava com três álbuns em 2001. O primeiro ataque aos novos temas foi feito com a poderosa «War Eternal» que deu que falar pelo mundo cibernético, facilmente espelhado pelo sucesso em termos de views de youtube assim como na inclusão nas mais diversas playlists de música pesada, quer em rádios como nas plataformas de stream. Assim testemunhámos as características técnicas pessoais da jovem vocalista que demonstrou ser um verdadeiro talento nestas lides deixando o seu cunho num tema que a banda tocou como se não houvesse amanhã. Na plateia ficou clara a satisfação. O single que virou estandarte é um exemplo perfeito do som guitar-driven, escandalosamente viciante, que Michael Amott nos habituou desde os tempos dos Carcass, com claro destaque para Heartwork, um clássico incontestável. A brutalidade dos temas do 10º álbum da discografia não implicou um menor cuidado na forma como os poliram em estúdio, muito graças ao produtor Jens Bogren cujo o histórico é incrível ( ex: Opeth, Dark Tranquility, Kreator, Paradise Lost, Soilwork, Devin Townsend Project, Angra, Amon Amarth, Katatonia, Bloodbath, Symphony X, etc..). Isso ficou bem espelhado e se em termos de projecção de som não fora maximizado as responsabilidades devem recaír, mais uma vez, na própria sala. Se o entusiasmo inicial poderia ter resfriado ao fim dos primeiros temas «Ravenous» assim não o permitiu. A imponente bateria a cargo de Daniel Erlandsson serviu de catalisador para a crescente movimentação na moldura humana. Um apelo à hiperactividade de quem viveu todos os segundos de um hino cujas mudanças de ritmo o tornam irremediavelmente aditivo.
Um dos temas mais aplaudidos da noite. «Stolen Life» veio demonstrar um pouco mais de Jeff Loomis, guitarrista já conhecido dos Nevermore, que apesar de não estar creditado no álbum faz já parte integrante da nova formação, e não se perspectiva de forma provisória. Pelo menos no curto prazo. Talvez por ser o single mais recente não demonstrou grandes efeitos. Não deixa de ser visível o claro esforço na promoção do álbum que conta já com 4 videoclipes e um lyricvideo oficial, todos eles apresentados na sala alcântarense. Também «You’ll Know My Name», no airplay faz quase um ano, não arrecadou uma especial reacção por parte dos presentes. A tendência crescente que o género verifica em ceder a detalhes de som que proporcionem uma experiència mais interactiva ao vivo fazem crescer a factura a pagar em termos de composição. Este foi um claro exemplo do perigo em tornar o death metal previsível. Algo que na sua génese é ambíguo. Prevalece em demasia o “feeling” pop que pouco contribuiu para um concerto que não precisava desse tipo de estratégia. Perdoamos pelo facto de haver a necessidade de justificar muita coisa em muito pouco tempo. O que é certo é que não fora a tendência nas quase duas horas de concerto e a menina não ficou pendurada nos refrões cuja a lírica soa muito a rebeldia adolescente… Por outro lado temas como «My Apocalypse» e «Bloodstain Cross» continuam a servir de garantia de que no rescaldo final o resultado seja maioritariamente positivo. Tal se confirmou com os coros de vozes que se fizeram ouvir. Estes bem espontâneos e evidentemente decorados. Os punhos no ar são sempre sinal de que as coisas vão na direcção certa e estes não faltaram. O visual forte e excêntrico de Alissa deu cor a uma performance digna da super-banda que são. O dream-team montado faz crer que de facto o mundo é uma aldeia. Ainda sem serem bem perceptíveis as relações entre os elementos, havendo claro profissionalismo sem excessos, a dupla de guitarras continua a ser o cerne da questão e a simbiose musical esteve sempre intacta entre eles. O momento de maior intensidade, com o modo thrash ligado, foi claramente a sequência de “As the Pages Burn” e “Dead Eyes See No Future”. “We Will Rise”, que tanto contribuiu para os níveis de popularidade da banda, revelou-se novamente como o tema mais familiar e as reacções fizeram-se sentir.
O encore da praxe foi cumprido e, tal como no álbum que serviu de pretexto para esta dupla passagem por Portugal, a introdução monástica de «Tempore Nihil Sanat» deu lugar ao turbilhão de «Never Forgive, Never Forget» que fez estremecer os alicerces de uma casa que já tinha presenciado alguns dos nomes mais sonantes do que a Escandinávia tem para oferecer no mundo da música pesada.
O certame foi encerrado da melhor forma possível com a melancolia do instrumental «Snow Bound» cujas linhas de guitarra são donas e senhoras de uma delicada beleza difícil de resistir. Tocou na alma e soube a comovida despedida. «Nemesis», por sua vez, não deu lugar a choradeiras. É sem dúvida um dos temas fortes de toda a discografia e um dos mais esperados em qualquer palco que pisem pelo mundo fora. “one for all and all for one…” foi repetido alto e bom som pelos centenas de presentes que fizeram questão de puxar pelas cordas vocais uma última vez.
Os fãs mais criteriosos apontam os Arch Enemy como um defunto, morto e acabado, que tocam a mesma música álbum atrás de álbum, ainda dos últimos tempos de Angela. Dizem que fora feito um transplante de órgãos vitais, e visto que a certidão de óbito já fora passada nada mais há a fazer… A Songs for the Deaf Radio dúvida que os centenas de presentes sejam dados à necrofilia o que nos leva a crer que os suecos estão vivos e de boa saúde. Uma super-banda de individualidades que tem tanto de legado como poderá ter de futuro.
Texto: Tiago Queirós
Fotos: Nuno Santos
Agradecimentos: Prime Artists
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