[Report] Ensiferum + Cruz de Ferro @ Paradise Garage, Lisboa

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O verão, que pelas últimas semanas pintou este mês de Outubro de cores quentes, parece ter chegado ao fim. A tormenta do fim de semana passado deu lugar à sempre infame chuva. Os deuses nórdicos viajaram bem a sul da muralha e os termómetros deram de si. “Winter is coming…” e os alienados “selvagens” da metalada sabem disso. O último trimestre do ano é sempre muito especial no “nosso” meio (talvez o único que não se limita à sazonalidade) e nada melhor do que recebê-lo bem ao estilo escandinavo. 

A abertura da época outono/inverno da música pesada na capital, com os tradicionais concertos no Paradise Garage, abriu na passada segunda-feira, 19 de Outubro. É certo que a bela cidade de Lisboa nunca cessou actividade no que toca ao alargado leque de escolhas “metálicas” que vamos tendo na sua área, mas, os que por norma deambulam por este meio sabem que a histórica sala alcantarense é um meeting point obrigatório nesta altura do ano.
A tradição da Prime Artists trazer-nos alguns dos grandes nomes, dos mais diversos sub-géneros do metal parece perdurar e a agenda de futuro não destoa do passado. 
O curriculum merece ser enumerado para ter a real noção do que tem vindo a ser alcançado: nomes como Sepultura, Trivium, Amon Amarth, Arch Enemy, Overkill, Hypocrisy, Anathema, Dark Tranquility, Children of Bodom, Satyricon, Vader, Meshuggah, Cannibal Corpse, Devin Townsend Project, e muitos mais, são apenas exemplos do nível reservado para esta sala e que entre Outubro e Dezembro, por norma, têm uma agenda mais regular.
Até ao fim do ano, tem já a sua quota guardada com nomes como Ghost, Gamma Ray, GUN, Riverside e o regresso muito especial de Fear Factory a Alcântara. 
No entanto, o ponto de partida foi feito ao som do folk metal, cheio de influências viking, que define e apaixona os Ensiferum.
De Helsínquia para o mundo, os finlandeses voltaram a Portugal e forma recebidos de braços abertos. 
Os ribatejanos Cruz de Ferro tiveram o desafio de abrir o certame com o seu heavy metal tradicional, cantado em português e que a crítica não poupou nos elogios. Foram considerados a melhor banda nacional sem contrato pela LOUD em 2014 e estão prestes a lançarem o primeiro LP “Morreremos de Pé”. Dois bons argumentos que certamente foram levados em conta pelo público mais pontual que por volta das 21h já se encontrava no recinto. 
Se por um lado nas grandes arenas não encontramos grandes novidades a romperem com este tipo de nostalgia de uns 80, nas pequenas salas nacionais o que não falta é revivalismo quer em inglês como em português e com mais ou menos anos de carreira. Há público, limitado é certo, mas acima de tudo há fiéis. Estes, por sua vez, não faltaram ao chamamento de mais um momento simbólico na carreira do quarteto liderado por Ricardo Pombo que dá voz ao projecto.
O solitário EP “Guerreiros do Metal” que até à data singulariza a carreira da banda em estúdio terá já em Dezembro um sucessor que aguardamos com grande expectativa. 
Em Lisboa, assim como certamente no Porto, os Cruz de Ferro levantaram um pouco do véu com “Quinto Império” e “A Lúcifer” (disponível no YouTube e mesmo no Redtube segundo a banda). Ao contrário do que pregam, este povo não está sereno, a ver pelas reacções. Estão ansiosos por ouvir a clara e crescente profissionalização da sua sonoridade.
“Defensores”, o single que os apresentou ao mundo, teve direito a um excelente feedback do público que se fez notar nos sucessivos coros.
Ao contrário de outros exemplos de bandas de abertura, não encontraram um vazio constrangedor ou uma envergonhada estática. Tiveram sim uma sala muito bem composta, ao nível do que os finlandeses iriam encontrar, e isso contribuiu bastante para que vingassem o seu espírito de epopeia.
A métrica da língua portuguesa, muito vincada na forma silábica como o vocalista encaixa a lírica, nem sempre soou harmoniosa mas cativou nas palavras de ordem que relembram o espírito heróico que perdura na história do nosso país. O sentimento patriótico veio ao de cima e ao som do Heavy Metal! Porquê cantar dragões e fadas, ou de jornadas fantasiosas do mundo do imaginário quando temos uma densidade cultural e histórica com séculos?
“Glória ao Rey”, “Auto-de-fé” e “Guerreiros do Metal”, que pôs o ponto final na actuação, não faltaram num concerto que define os momentos finais de um capítulo riquíssimo. O virar de página está próximo e pelo que vimos, o próximo capítulo poderá ser uma surpresa maior. “Morreremos de Pé” é um LP de final do ano mas poderá muito bem entrar na corrida dos habituais tops.

A aposta num cartaz minimalista revelou bons resultados. O início de semana laboral não potencia grandes devaneios nem se torna benevolente a grandes maratonas de concertos. De qualquer forma, as centenas de pessoas que contra-ciclicamente saíram de casa em prol do formato “Live” foram bem recompensadas e sem hipotecar o resto da semana.

Ensiferum são uma daquelas bandas que por muito agrado que retiremos dos seus álbuns nunca os poderemos desassociar das performances ao vivo. Os “rótulos” que os vão catalogando são sinónimo disso mesmo: folk pagão, viking, com mais ou menos laivos de Death Metal (mais ou menos melódico) – não passam de formas de adjectivar a festividade presente nas suas musicas. Podemos fazer a festa sozinhos em casa? Podemos… Mas não será a mesma coisa.
Por outro lado, esses mesmos rótulos são também redutores no sentido que generalizam em demasia. 
A verdade é que os Ensiferum não são como os Amon Amarth, Moonsorrow, Korpiklanni ou Turisas… São distintos em diversos aspectos e apenas se unem num certo imaginário e numa certa amplitude.
Não são uma mera celebração da vida boémia, nesse âmbito ficámos bem servidos com Alestorm em Vagos (mas não tanto como com os já citados Korpiklanni no Ilha do Ermal), nem tão arrebatadores e mitológicos como os “guardiões de Asgaard”. São um meio termo que tende mais para os segundos mas com dinâmicas bem definidas como as que nos apresentaram.
Os ecos do Vagos Open Air 2010, e mesmo do Hard Club (abrindo para os conterrâneos Children of Bodom), ainda se fazem sentir mas o melhor cartão de visita continua a ser a bela discografia que vão coleccionando desde 2001. 
Desta vez o pretexto desta visita foi One Man Army, lançado em Fevereiro pela Metal Blade, sendo já o sexto álbum de originais juntando-se a álbuns tão icónicos como o homónimo Ensiferum, From Afar, Iron e Victory Songs.
Em boa verdade, o único percalço (algo sempre subjectivo) foi mesmo o seu antecessor Unsung Heroes que simplesmente não caiu tão bem no goto dos fãs.
Este retoma o grande nível, que nos tinham habituado, e assim se consegue compreender como um terço da setlist fora focado nele sem nunca prejudicar a dinâmica.
“March of War” – a introdução que poderia muito bem ser servida numa solarenga tarde algures no Shire (penso que Tolkien não discordaria) – obrigou os presentes a meterem na pausa a confraternização para focarem a atenção no palco. 
Tal como no álbum, “Axe of Judgement” lançou a banda de forma pujante num fast pace frenético. Um belo opener que contagiou sem atrito, principalmente nas primeiras fileiras. Os punhos no ar criaram uma bela paisagem que perdurou ao longo dos quinze temas apresentados. Seguiu-se a também recente “Heathen Horde” e “Warrior Without a War” num momento mais sinfónico e folclórico reservando a fase inicial à promoção do que ainda é fresco. Apenas “One More Magic Potion”, único tema apresentado de Victory Songs, quebrou a sequência.
O entusiasmo inicial ganhou outra dimensão ao som de “From Afar” com efeitos imediatos nos amantes do mosh-pit. Seguiram-se “Token of Time” e “Battle Song”, revisitado o já longínquo e respeitado homónimo de 2001. O pico desta primeira escalada foi alcançado com a obrigatória “Lai Lai Hei”. O nosso finlandês pode nem ser o melhor mas que soou bem, soou! 
Com a banda cada vez mais solta, os protagonistas da noite iam se destacando nas suas características próprias e que num total definem o que é Ensiferum ao vivo: Petri Lidroos que assume a liderança, é um guitarrista virtuoso e repleto de técnica. A sua voz possante encaixou na perfeição na bateria sísmica (e que bateria!) de Janne Parviainen, apesar de por vezes os graves se sobreporem (há alguma tendência para que este tipo de “eventualidades” acontecerem nas últimas músicas dos concertos no PG). A subtileza de Markus Toivonen na segunda guitarra e por vezes nos clean vocals, pela falta de brilho, poderá ser considerada a única “baixa” de uma tour que já vai na sua segunda metade. Em contrapartida, a simpatia e teatralidade de Netta Skog no acordeão digital deu um encanto especial. Os mais distraídos podem ter ficado algo confusos, de facto a teclista Emmi Silvennoinen fora substituída por motivos de saúde mas os mais atentos certamente não se sentiram levados pois tratava-se nada mais nada menos que uma talentosa elemento dos Turisas, outra banda que apaixona nestas lides.
De qualquer forma, quem realmente se demonstrou merecedor de destaque, mais uma vez, foi o carismático baixista Sami Hinkka que volta e meia reclamou o devido protagonismo com os seus clean vocals que cativaram os melhores sing alongs da noite.
Exemplo disso foi “Burning Leaves” com o seu folclore bem étnico, porque o termo não deve ser conotado de forma simplista ao exotismo do Médio Oriente ou ao mundo das Arábias. 
Estes finlandeses sempre exprimiram bem as suas influências na música tradicional da sua região, quer na instrumentalização como na forma como a moldam para o formato “ao vivo”, e esta não fora uma excepção.
Retomaram a sua missão One Man Army com “My Ancestors Blood” e “Two Spades” com noções de ritmo distintas e de plena versatilidade, tal como podemos definir o último trabalho da banda.
Para o fim guardaram uma versão pouco convencional, e até mesmo inesperada do clássico dos Gipsy Kings, “Bamboléo”, num momento de boa disposição entre a multidão.
O encore previsível apenas serviu para recuperar um pouco o fôlego. Faltavam vários hinos. Quem esperava por uma “Into the Battle”, por exemplo, não fora recompensado de forma directa mas “In My Sword I Trust”, o grande single de Unsung Heroes, foi um dos melhores momentos da noite e um heads up para o gran finale
“Twilight Tavern” e “Iron” foram a cereja no topo do bolo. Dois pilares que não arredam pé das setlists e que muito contribuíram para nos sentirmos completamente ressarcidos no momento de regressar a casa. 
No dia seguinte esperava-lhes mais uma noite na Invicta cidade do Porto e aos lisboetas uma semana de trabalho pela frente. Segundas-feiras nunca são recordadas com grande ânimo mas esta será certamente.

É certo que a maioria já não carrega os famosos Nokia nos bolsos nem gostámos particularmente de um certo vídeo viral com que os finlandeses alvejaram os portugueses na questão do “resgate” da Troika (ao menos a contra-resposta encheu-nos de orgulho!), no entanto, os momentos que tanto estes rapazes como os históricos Amorphis nos proporcionaram este ano neutralizaram qualquer tipo de rancor. Os portugueses há muito que se apaixonaram pelo metal escandinavo e essa relação perdurará enquanto noites como esta se repetirem. Lai Lai Hei!

Texto: Tiago Queirós
Fotos: Marta Louro (todas as fotos aqui)

 

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