[Report] Ghost + Dead Soul em Lisboa

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O fumo branco saído das chaminés da Invicta fez-se visível às portas da Catedral Alcântarense. “Habemus Papam” para jubileu dos muitos peregrinos de negro e que há muito aguardavam por aquele momento. De seu nome Papa Emeritus III.
28 de Novembro de 2015, uma noite abençoada e de casa cheia, sem espaço para mais nenhuma alminha no Paradise Garage, reflecte bem um Sábado adornado de momentos épicos numa estreia memorável dos Ghost na capital.
A comunhão entre os fiéis cedo se fez sentir com a presente multidão na abertura de portas (uma hora antes do início dos espetáculos), contrapondo o malfadado hábito dos portugueses de negligenciarem na sua pontualidade.

Esta antecipada busca pelo melhor lugar foi particularmente frutífera para os Dead Soul
Apesar de desconhecidos para grande parte dos portugueses, este trio de conterrâneos dos cabeças de cartaz vinha já com excelentes referências à partida. A imprensa sueca não lhes poupa elogios desde que em 2012 se juntaram, adivinhe-se, aos Ghost que apadrinharam os primeiros passos da banda ao vivo. Escusado será dizer que se há país com crédito de qualidade é esse, e o leque é bem grande.
Em Lisboa demonstraram o porquê de serem a banda revelação de 2013 com o álbum de estreia “In The Darkness”.
A pouca luz em palco não apelou a grandes dinâmicas mas ajudou à total absorção da escuridão implícita na voz do bluesman Slidin’ Slim (a.k.a. Anders Landelius) sublinhada nas melodias atmosféricas que Niels Nielson soube transportar da sua experiência pela música electrónica.
As duas guitarras em palco poderiam induzir em erro quem esperasse uma banda conduzida por riffs e lead guitar em mais algum exemplo de noise rock ou shoegaze. Longe disso. Total primazia da voz, que relembrou o tom grave de Johnny Cash, Jamie N Commons e até mesmo Tom Waits, numa viagem por uma electrónica sedutora e “doomesca” soando a um possível projecto de Trent Reznor sem ceder à modernização do industrial nem ao beco sem saída de um electro-goth.
Dead Soul, definitivamente, soa ao que um canta-autor deve soar no século XXI.
O segundo álbum, “The Sheltering Sky”, lançado este ano mantém a fórmula dos vocais profundos e de uma sensibilidade longe de espelhar a curta carreira da banda enquanto colectivo.
“Home By The Sea”, ” Burn Forever” e “The Fool”, com o seu reverb viciante, são apenas alguns exemplos de temas que certamente aumentaram a base de fãs da banda no nosso país.
No entretanto tocaram os sinos…
Ao som clerical de “Miserere Mei, Deus” de Gregorio Allegri se destaparam a bateria e o teclado num óbvio ritual em tom de aviso: estava prestes a começar a derradeira missa da noite.
O intervalo não fora suficientemente tentador ao arredar de pé. Antes pelo contrário. A enchente levou à abertura do balcão superior, por norma uma área reservada, e nem assim se avistou meio metro quadrado de espaço vazio.
Ao contrário da noite anterior na Deathcrusher Tour (Corroios), o ar esteve sempre mais “respirável” (fruto de uma maior restrição face aos fumadores e ao sistema de circulação de ar) o que sempre amenizou o desconforto destas enchentes proibidas a qualquer indício de claustrofobia.
Jocelyn Pook será compreensivamente um nome que não encaixará no leque de escolhas do comum roqueiro ou metaleiro mas “Masked Ball” levou ao delírio a multidão com a entrada do quinteto dos Nameless Ghouls.
Às primeiras notas, o reconhecimento de “Spirit” como tema de abertura fora instantâneo. A sinfónica ode ao terror cartoonista rompida pelo primeiro break de bateria deu início à automatização do público rendido desde o primeiro momento. Sua Santidade, Papa Emeritus III, numa demonstração da sua profana divindade, surgiu do nada acompanhado por um coro bem audível.
“From the Pinnacle to the Pit”, com uma das melhores linhas de baixo do seu catálogo, manteve-se fiel à ordem proposta no último trabalho de estúdio, lançado este ano.
Os movimentos corporais e a letra na ponta da língua comprovaram aquilo que já suspeitávamos: Meliora é muito mais do que um terceiro álbum com grande receptividade, quer pela crítica como pelos fãs. É um marco que põe por terra toda a controvérsia em torno dos suecos que dividiu, principalmente, o espectro metaleiro e que adiciona, pelo menos, uma mão cheia de temas fortíssimos resultando numa setlist imaculada. Do início ao fim.

A blasfémia prece de “The Ritual” soou alegre e descomprometida, na fórmula algures entre Mercyful Fate/ King Diamond e Blue Oyster Cult com que Opus Eponymous nos apresentou o sexteto ao mundo. Apenas “Con Clavi Con Dio” fora também escolha deste álbum que já faz meia década e que continua a servir de troféu hipster. “O primeiro é que era bom”. Não. O segundo e o terceiro também o são e a prova disso esteve clara na bela passagem para “Per Aspera Ad Inferim”, que por muito subtil que tenha sido não passou despercebida.
E porque a eucaristia não se faz apenas de passagens em latim, a pedido de um Sumo-pontífice surpreendentemente comunicativo, as Irmãs do Pecado (Sin Sisters) comungaram os pecadores na primeira fila ao som de “Body and Blood”, um dos temas mais “catchy” de Infestissumam.

Seguiu-se rumo a “Devils Church”, com o Papa a largar as suas vestes formais e confortavelmente arrancar para uma das melhores sequências de 2015, contribuindo bastante para este vir a ser, para muitos, o concerto do ano: primeiro “Cirice”, com o seu tom marchante e noção melódica invejável; depois “Year Zero” a fazer ecoar a blasfémia e o pecado pelas ruas de Lisboa alcançando a sensação de Magnum Opus numa arrepiante “He Is”.
A promoção de Meliora ficou fechada com “Absolution” e uma “Mummy Dust” feita de sussurros e riffs em tom de thriller de acção. Dificilmente se poderá dizer que faltou alguma deste 3º capitulo Ghost ao fim de 8 temas (em 10 possíveis)!
O gran-finale electrizante fora sustentado principalmente por “Guleh/Zombie Queen” mas as bonitas formalidades da praxe ainda nos permitiram retirar um pouco do EP If You Have Ghosts (que contou com a participação de Dave Grohl) e um curto encore ao som de “Monsters Clock”. Por Lucifer ou não, a verdade é que a comunhão “Together as One..” fora concretizada ao longo de um concerto que tanto encheu as medidas como soube a pouco. A espera fora muita mas fora bem recompensada.
De agora em diante não faltarão convertidos. Seguidores e fiéis peregrinos jurarão comprar os seus álbuns e vestir o seu Merchandise pois um novo Salvador chegou e o Paradise Garage testemunhou isso mesmo. Não fora um Milagre, fora resultado de uma performance a roçar os níveis de perfeição, simbiose irrepreensível e algum fortuito quanto à inexistência de falhas de som graves (que de vez em quando assombram a sala).
Se hoje são um estranho fenómeno de unanimidade, é porque contrapõem a cansada lógica, presente na música pesada, da constante busca pelo mais rápido, mais agressivo, mais chocante ou mais progressivo. Aparentemente o melting point do público face às hipérboles coincidiu com o surgimento, ironicamente messiânico, dos Ghost e do seu imaginário que refuta o culto da personalidade e a “reinvenção da roda”.
Há muito para aprender com a fórmula dos suecos e a música pesada apenas fica a ganhar com isso.
A SFTD Radio foi abençoada com algumas palavras do próprio Papa Emeritus III e pode adiantar aos nossos leitores que, se tudo correr bem, não terão de esperar muito mais pela próxima passagem dos suecos que estão a apontar já para o próximo Outono e “em grande”.
Texto: Tiago Queirós
Fotos: Nuno Santos (todas as fotos brevemente na nossa página

 

One comment to [Report] Ghost + Dead Soul em Lisboa

  • Alexander Apolinario  says:

    Ghost Papa Emeritus,não se explica se ouve,suas canções se sente na alma e alucinante,maravilhoso!

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