No passado dia 13 de Fevereiro, uma quinta-feira, o Resurrection Fest, exactamente esse que faz delirar o público ibérico, brindou os Lisboetas, e não só ( muita gente do Porto ao Algarve), na República da Música com um aquecimento de luxo do que será uma edição 2014 ao nível do que se tem visto nos últimos anos: de chorar por mais.
Desde o lançamento do LP de estreia, “Humans”, que os Primal Attack estão a evoluir de banda revelação a uma referência do metal nacional. Familiarizados com a sala, onde já passaram belos momentos em palco, manifestaram desde cedo uma enorme vontade de provarem o porquê da sua escolha como representantes nacionais desta Tour.
Um concerto demasiado curto para o que se queria, e se previa, sendo que algumas dificuldades técnicas limitaram a sua duração. Quem conhece o trabalho da banda está a par de uma mão cheia de temas fortes que infelizmente não fizeram parte da setlist, sendo um bom hype para o Moita Metal Fest onde certamente não ficará nada de fora.
Hugo Andrade, já bem familiar dentro do meio nacional, teve a honra de abrir para Hatebreed no último concerto em Corroios (onde os Switchtense deram um dos concertos mais memoráveis da sua carreira) e mais uma vez se juntou à festa. Desta vez como convidado, juntando-se aos Primal Attack em “Despise You All” que se demonstra facilmente como um dos temas com melhor recepção do público, terminando assim da melhor forma dadas as circunstâncias.
Se em 2013 exportamos 3 das melhores bandas do meio em Portugal, este ano não ficaria nada mal aos nossos colegas espanhóis apostarem nestes rapazes para a próxima edição do Resurrection Fest.
De Birmingham para Lisboa, os Napalm Death romperam com a sua música que obrigatoriamente é referida como sendo extrema, e não há outra forma de a caracterizar de facto. Podíamos referir as passagens por fases mais apoiadas num Grindcore ou num Deathmetal, mas a verdade é que esta é já uma marca registada na história da música pesada e uma influência para muitas bandas. A explicação está mesmo na evolução da sua carreira que não assumiu um género definido, nem se deixou influenciar por correntes, quer a nível da indústria como nos requisitos que os fãs por vezes criam. As suas paredes de som são arrebatadoras, o que não é caso único, mas há um toque de personalidade bastante próprio que distingue de tudo o resto.
Curiosamente, estes sub-géneros são possivelmente os mais passíveis da crítica alheia; é de facto uma explosão a todos os níveis, mas o ruído que muitos criticam tem uma preocupação acrescida a nível técnico, no P.A., na acústica, etc, e nesse aspecto é compreensível algumas das críticas e comparações em relação a concertos anteriores dos Napalm Death em Portugal.
Mark Greenway, ou Barney se preferirem, demonstrou mais uma vez as características que fazem dele um frontman caricato, com as suas danças desajeitadas e vocais poderosos. Mais uma vez conseguiram dar um gosto de sentimento punk ao peso de descargas de 100 toneladas ( no mínimo) de caos sonoro, que acciona os monstros lendários do Circle Pit e heróis da bela arte do Mosh. Por esta altura, na entrada haveria uma placa informativa com “Zona de Guerra”. Bom, se não estava, podia estar…
Uma paisagem apocalíptica que dava aquele brilho nos olhos de quem vive para estes momentos.
Uma setlist extensa para ouvidos mais sensíveis, mas curta ( e grossa ) para a grande maioria. Uma noite que não fora particularmente inspirada, sem nunca por em causa o profissionalismo da banda, puseram em prática o subtil piloto- automático que apenas as grandes bandas conseguem visto não ter consequências práticas continuando um nível de fasquia alta.
Uma poderosíssima “Silence is Deafening” abriu as hostes do que viria a ser um buffet de uma discografia que já vai a caminho de três décadas. Único tema representado do álbum The Code is Red…Long Live the Code (2005) que infelizmente fez-se tremer face a algumas dificuldades técnicas. Nada de muito grave, ainda havia muito por percorrer. Seguiu-se ” Everyday Pox” do mais recente Utilitatian (2012) que ainda está fresco na memória, sendo aplaudido pela crítica como pelo público português que mais tarde vibrou com ” The Wolf I Feed” e ” Errors in Signals”.
Sem ignorar as glórias do passado, os Napalm Death não renegaram álbuns de culto como From Enslavement to Obliteration (1988), com “Unchallenged Hate”, nem Harmony of Corruption (1990) com “Suffer the Children”, o primeiro com o vocalista Barney e reconhecido pela sua vertente mais Death Metal.
” When All Is Said and Done” deu continuidade ao bailarico que cada vez mais assumia contornos de uma Royal Rumble onde a barreira de segurança proporcionava momentos de autêntico show de wrestling americano, e nada amaricado.
Os argumentos apresentados chegavam para afirmar que foi um grande concerto, e candidato evidente a melhor da noite (algo que se José Mourinho estivesse presente, diria que era injusto pois jogaram previamente…), mas não há forma de contornar o álbum de estreia da banda desse longínquo ano de ’87 ( é verdade o leitor já está a ficar velhote..).
Scum é obrigatório no repertório de todo aquele que se diz amante de música, extremamente, pesada. Assistir a “Success?” e a uma sequência “Scum” e “You Suffer” foi o culminar perfeito quer daqueles que se deixam levar pelo Grindcore único dos Napalm quer pelas referências de Death Metal de outros álbuns, clássicos são clássicos e não o são à toa.
A fechar, uma surpresa apenas para os mais desatentos, um tema que encaixa bem no mote da banda seguinte, ” Nazi Punks Fuck Off”, o já habitual cover do tema da banda de Jello Biafra ( Dead Kennedys) que consegue sempre um potente sing-along na plateia.
Aos 57 anos, Wattie Buchan é ícone na história do Punk, daquele genuíno de rua, que ao fim de décadas continua a ser uma afirmação política e social de cariz bem vincado.
A sua famosa crista encarnada é já património cultural e uma simbólica segurança de que os anos passam mas a fidelidade à mentalidade a que entregaram tudo se mantém.
Infelizmente, a factura é alta e o desgaste cedo se tornou visível. Os excessos do passado aliados ao cansaso, não esquecendo as condições “climatéricas” fizeram deste um concerto difícil de apagar da memória pelas piores razões.
À partida, e não obstante do cariz lendário da banda, este tinha tudo para ser o concerto menos efusivo no que toca à expectativa do público. Os meses que se precederam este grande evento foram envoltos num hype Metal/Hardcore onde cada estirpe puxava pelo seu lado, no entanto, na República da Música facilmente se concluiu que o público punk é menos prendado às redes sociais. Punk’s not Dead de facto…
Relembrando que todas as bandas no cartaz já eram familiares de outras passagens pelo nosso país, e recordando as salas por onde passaram, nada faria prever a quantidade de fans old-school na frontline e o entusiasmo da nova geração na zona caótica! Muitos chegaram com conclusões precipitadas não sendo de todo o resultado do que previam.
Os The Exploited, da mesma forma que os Napalm Death e mais tarde os Hatebreed, cedo atacaram a multidão com temas chave da sua carreira, deixando todos bem à vontade de interagirem com um concerto que comprovou o tal estatuto de co-headliner, e não de banda de abertura.
2014 tinha tudo para ser o ano dos escoceses: assinaram contrato com a Nuclear Assault Records, alguns daqueles álbuns históricos vão ser re-lançados e ao que tudo indica, Fuck the System de 2003 vai finalmente ter um sucessor. Num pós- Lisboa o futuro está de certa forma incerto.
Fez-se a vontade com uma madrugadora ” Lets Start a War” que abriu em grande nível o que deve ser um concerto punk, sem espinhas, para aqueles que gostam do seu rock puro, sem pedras nem enfeites. ” Fight Back” e “Dogs of War” foram lançadas aos lobos que pelos vistos estavam famintos.
O ritmo estava frenético, o que a par e passo contrastava com o carismático vocalista que se apresentava cada vez mais débil mas com uma enorme vontade de não falhar perante aqueles que o mais admiram.
Por outro lado o baixista Irish Rob demonstrava-se super entusiasmado em palco com uma atitude bastante positiva face ao que se revelou ser algo mais sério do que se pensava e Matt “Justice” demonstrou-se um virtuoso, algo que contrasta com a ideia formada do que seria uma banda de punk rock.
“Chaos in My Life” é demasiado orelhuda para os presentes ficarem em silêncio, sendo inevitável emprestar um pouco da voz, criando um efeito de uníssono como ainda não se tinha assistido. Percorreu-se uma carreira cheia de temas que para muitos se passaram anos desde a ultima vez que os ouviram, ” Cop Cars” e ” I Belive in Anarchy” de Punk’s Not Dead por exemplo, fizeram relembrar que vale a pena ouvir certos álbuns de punk que são tão ou mais clássicos que muitos que por aí se auto-intitulam, e este está a par do Nevermind the Bollocks dos Sex Pistols, do Fresh Fruit for Rotting Vegetables dos Dead Kennedys e do Damaged dos Black Flag entre outros… Pérolas ao vivo, num concerto que estava a deliciar com tamanho desfile. ” Dead Cities”, “Alternative” mas também “Noize Annoys” e ” Troops of Tomorrow” não baixaram de todo o ritmo.
Wattie por sinal demonstrava-se cada vez mais frágil, pálido e com sinais claros de que algo não estava bem.
Uma pausa do vocalista deu lugar a um momento caricato, com ” Sex and Violence” a ser entoado por um trio convidado para subir ao palco, onde curiosamente dois eram jovens de cruz na mão, simbologia associada ao fenômeno Straight Edge.
O retorno de Wattie foi merecedor do aplauso da noite, numa demonstração clara de humildade, mas de certa forma inconsciente face às notícias que rapidamente se propagaram no dia seguinte.
” Beat the Bastards” foi o tema maior que o público português teve direito desta vez, não sendo possível um ” Fuck the USA”, sempre do agrado da multidão e que seria servida como sobremesa com cereja no topo. Wattie ainda tentou um “Fuck the System” mas rapidamente faltaram as forças como se pode verificar no vídeo que o Songs for the Deaf Radio gravou e que se tornou viral pelo mundo da música. Ao que tudo indica tratou-se de um Enfarte. O vocalista saiu pelo próprio pé dirigindo-se para uma ambulância que se deslocou ao local.
Este momento ficará certamente na memória de todos os presentes, no entanto é importante frisar que ao longo de cerca de 45 minutos, a banda deu um concerto fenomenal deixando a certeza de que havendo uma próxima vez, não será certamente em Cacilhas. Não terá lotação suficiente para a procura.
Vídeo do incidente gravado em exclusivo para a Songs for the Deaf Radio:
Esta terceira passagem pelo nosso país, foi antecedida de memórias e experiências que nostalgicamente foram relembradas dos concertos na Voz do Operário (2004) e no Cine-Teatro de Corroios (2011).
Os Hatebreed graças ao estatuto, ganho pelas suas performances ao vivo, assumiram um papel essencial no sucesso da Tour of Chaos “a priori”. Há quem creia que foram a diferença de uma casa cheia para uma a abarrotar pelas costuras, alvejando a promotora munidos de críticas face à escolha do espaço.
Divinity of Purpose poderia servir de base na setlist, no entanto a banda optou por puxar pelo público e pelas suas capacidades vocais não deixando de lado os singles que já os vão acompanhando pelo mundo fora faz alguns aninhos.
Longe já vão os tempos de Perseverence, e a sua discografia já se demonstra bem mais extensa.
Defeatest de 2006 é um exemplo do trabalho fenomenal que a banda tem produzido, sendo facilmente uma referência na sua discografia e de onde se retira ” To the Treshold” que deu início a um concerto magnífico que pôs em polvorosa até o menos crente nestas andanças assim como o mais conservador metaleiro que possivelmente se encostava ao balcão do bar de serviço.
Recentemente tivemos duas bandas que inevitavelmente são referências, mais do que sonoras até, do mundo dos Hatebreed e do seu público. Falo de Biohazard e Agnostic Front, que curiosamente pisaram o mesmo palco em 2013 com grandes performances. Esses momentos, e em particular o segundo, foram vividos com grande entrega mas neste caso em concreto o número fez a diferença. Somos humanos, e podem buscar referências às escolas clássicas, ou neo-clássicas de filosofia e sociologia… O que quiserem, claramente não sou formado nessa temática, mas o empirismo ganha uma grande importância no mundo das artes, e aqui os “olhos também comem”. Por muito que ouçam que X e Y gosta mais de concertos pequenos, não há nada como sentir aquele sentimento de pertença, aquele calor humano, e aquela voz desafinada atrás do ouvido (que quase nos rebenta o tímpano) de alguém que tal como nós, deixou tudo por aquele momento em concreto. Salas menos compostas tornam-se frias e distantes. Claramente que este caso em concreto é um exagero. Mas serei só eu que imagino o nosso pequeno mundo suado, rouco, sujo, em espaços pequenos mas compostos, onde há sangue suor e lágrimas mas que no fim sai tudo de sorriso nos lábios?
” Before Dishonor” relembrou o álbum de estreia Satisfaction is the Death of Desire deliciando os fanáticos da banda de Jamey Jasta ( ainda se lembram do MTV Headbangers?)
De Divinity of Purpose concluímos que ” Honour Never Dies” pegou e bem, mas ainda sem chegar ao nível de ” Empty Promises” ou até mesmo ” Defeatest”.
No entanto, há temas que projectam o conjunto norte-americano para outro nível.
Não faltaram “As Diehard As They Come” que fica sempre bem dedicar a quem sua tudo no Pit; o Hino, penso que é legítimo assumi-lo como tal, ” I Will Be Heard” e uma sequência devastadora com “Live For This” e ” This Is Now”. O óbvio seria o desgaste do público mas a cede não era meramente uma questão de hidratação mas sim um sentimento compulsivo e de um egoísmo colectivo: queríamos mais!
” Destroy Everything” no único Encore da noite fez jus ao título terminando da melhor forma uma noite que dificilmente será ultrapassada num futuro próximo.
O Resurrection Fest ficou um pouco mais perto, por breves momentos pelo menos, e se em tempos se discutia o sucesso de um festival deste género em Portugal, naquela mítica quinta-feira percebeu-se perfeitamente que há público para tours desta dimensão e que mesmo apesar das eventualidades ocorridas e de todas as peripécias, este não vai ficar em casa quando ocorrer um novo chamamento com este nível de qualidade no cartaz.
Por outro lado, é impossível ficar indiferente às condições da sala face a tamanha multidão, sendo quase nula a diferença para concertos com uma saída bem menor. Desde a ventilação ao funcionamento do bar, demonstraram-se debilidades profundas que levantaram dúvidas até ao nível de segurança do espaço.
Não é a primeira vez que a Songs For the Deaf Radio assiste a concertos na República da Música, até mesmo promovidos pela promotora Hell Xis e estando minimamente a par das dificuldades em conseguir elevar Lisboa dentro do circuito Hardcore/Punk/ Metal, creio que este foi um evento isolado e uma lição de futuro. Certamente haverá mais e melhor.
A equipa da Songs For The Deaf Radio deseja sinceramente as melhoras do Wattie Buchan!
Texto e Vídeos: Tiago Queirós
Fotos gentilmente cedidas por Perigo de Morte ao qual agradecemos o apoio
Fotos gentilmente cedidas por Perigo de Morte ao qual agradecemos o apoio
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