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Se por esta altura se considera um rocker/metaleiro português e ainda não sabe quem é Tó Pica é porque das duas, uma: ou tem andado bastante distraído ou acabou de chegar de uma mítica boleia, entre o tempo e o espaço, proporcionada por um Delorean do “Regresso ao Futuro”.
De qualquer forma a Songs for the Deaf Radio faz questão de lhe relembrar que se trata de um dos maiores ícones da música pesada em Portugal e um dos maiores virtuosos da guitarra eléctrica no nosso país. No seu curriculum estão passagens pelos históricos Sacred Sin, que vingaram a nossa quota de Death Metal na mesma altura que os maiores nomes mundiais atravessavam a golden age do género e pelos incontornáveis Ramp, para muitos uma espécie de Metallica nacionais e uma instituição do metal nacional. Apesar de não ser um membro fundador a verdade é que já poucos os imaginam sem este membro. A tal se deve a inegável técnica e a cima de tudo a postura de um verdadeiro Rock’n’Roller em palco. Com eles já partilhou palco com Andreas Kisser (Sepultura) e demonstrou-lhe, no mais mediático festival do país, como se leva à multidão ao delírio por cá.
Poderíamos continuar a falar do passado, desde a veia punk nos Anti-Clockwise ou dos mais recentes Secret Lie mas no fundo a verdadeira questão foi levantada pelo próprio Tó Pica quando se atreveu a desarmar-nos e intitular este novo capítulo de “Is This the Best You Can Do?”. E afinal, será que já nos mostrou o melhor que sabe fazer? Segundo o que nos confessou na entrevista ao “Isto não é o da Joana” este é o Best of de todos os discos que ainda não fez…
Como dizem os ingleses, “first things first”:
A dar início ao certame da passado sexta-feira, 23 de Outubro, no RCA Club, tivemos o metal progressivo dos Forgotten Suns, companheiros na editora Premiere Music e um dos nomes mais sonantes dentro do seu espectro a nível nacional.
Entraram em palco quase uma hora depois do previsto, rondando já as 23h, fruto do ambiente informal e familiar que se fez sentir ao longo da noite. Ninguém pareceu cobrar por essa hora perdida. Pelo contrário, o convivo sobrepôs-se à rigorosidade nos pormenores e em boa verdade sempre foi claro que mais do que uma noite de concertos se tratava de uma noite de festa. De celebração e comunhão entre músicos, fãs e amigos.
Visto que um dos atributos do “headliner” que mais se valoriza é o tal tecnicismo, incluir este quinteto de verdadeira profissionalização da arte de fazer música foi algo repleto de sentido.
Perante um público difícil, ou por estar pouco à vontade com os temas ou por estar completamente vidrado, os pedidos de uma maior interactividade não sortiram grandes efeitos mas não falharam em convencer com as suas capacidades.
Individualmente não pecaram um milímetro em demonstrar o à vontade com que dominam os seus instrumentos e deliciaram qualquer um que sonhe um dia alcançar tamanha perfeição.
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Na bateria, com um kit bem mais reduzido do que aquele que podemos encontrar nos vídeos da banda, Samora catalisou os momentos de maior destruição rompendo com o teclado sinfónico de Ernesto Rodrigues e a guitarra, tanto límpida como distorcida, de Ricardo Falcão (um autêntico pilar que sustenta a progressão e os crescendo das musicas).
Com o 4º álbum, “When Worlds Collide”, lançado este ano e apresentado no Paradise Garage , a banda parece ter aumentado a fasquia que os vai baptizando de Dream Theater portugueses. Curiosamente, a sensibilidade de um rock mais acessível não fora deixada de parte, como se comprovou mais uma vez com “In Harms Way” e muito se deve ao vocalista Nio Nunes.
Ao contrário do que seria de esperar, não nos premiaram com um simples concerto de abertura, o que seria constrangedor dada a duração dos temas (facilmente encaixariam apenas 3 temas se lhes dessem meia hora de concerto). Desta forma acabámos por assistir a fundo um pouco do catálogo da banda.
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“Racing the Hours” foi guardada para o fim. O público claramente mais dado ao imediato do que ao progressivo demonstrou algum atrito, dificultando o tipo de ambiente propício a maximizar o concerto. Música para músicos, diriam alguns mas algo propício a ser contornado, se apostarem numa postura menos rígida e mais dinâmica, aumentando consequentemente o efeito visual do seu espetáculo.
Entre concertos o público teve oportunidade de conhecer melhor o processo criativo do novo álbum de Tó Pica, contado na primeira pessoa, através de um mini-documentário projectado no palco. Foram apresentados os vários intervenientes na gravação do álbum e partilhadas algumas histórias nostálgicas de quem sempre sonhou chegar onde chegou. Conseguem imaginar este virtuoso de frigideira na mão, com elásticos a fazer de cordas, Radio AM à cintura, tocando para a sua mãe com o delírio da multidão de batatas fritas mergulhadas em óleo quente? Até à data estávamos crentes que tinha nascido de guitarra na mão!
Seja como for, a humildade esteve sempre presente e o sentimento de gratidão não deixou de acompanhar o músico. Chegar a este nível é apenas possível a quem dedica uma vida a estas lides, nem sempre acompanhadas pelas luzes da ribalta. Não é para quem quer, é para quem pode e ele reúne todas as condições para tal.
O hype estava mais do que montado quando finalmente entrou em palco com os músicos que o acompanharam ao longo da noite. A enchente que o RCA verificava por esta altura comprovava aquilo que já todos sabíamos: este era um dos momentos chave do rock nacional em 2015.
“The Urge” foi de encontro a tudo o que esperávamos: o tal domínio total da técnica numa demonstração de pura “six string magic”. O tema instrumental, possivelmente o mais complexo ao nível de composição, não ficou nada atrás do que, por exemplo, Joe Satriani nos apresentou nas últimas passagens quando optava por aumentar o ritmo.
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O ambiente ficou mais pesado, comprometido e intimista algo que contribuiu para “prender” o público.
Quem adiantasse prognósticos provavelmente apostaria em Resende como a voz da noite, pela forma que carrega todo um feeling e transparece uma experiência desproporcional à sua faixa etária. No entanto, a voz que tresanda hard rock não foi a que mais sobressaiu, mas sim a de David Pais.
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Dono de um timbre espetacular e um verdadeiro camaleão sonoro, conseguiu logo ao seu primeiro tema provar ser merecedor do lugar que ocupa neste álbum. “All Acess Denied” é, perdoem-me a falta de melhor descrição, um musicão! A forma como o falsete do refrão se torna viciante é apenas a pedra basilar… Um estranho híbrido tão díspar que parece embutir Brandon Boyd (Incubus) com elementos de A Perfect Circle, Breed 77, Zack De La Rocha e no fim não soar a nenhum! O momento quase nu metal esteve longe de descabido; a noção de melodia e harmonia entre partes; o groove contagiante… A guitarra de Tó Pica e a voz de David Pais em pura simbiose.
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O guitarrista trocou-nos as voltas todas e fez um check-mate indefensável com “Espelho”. E quem diria que o seu possível apogeu artístico nada se prende com o tom hard’n’heavy nem propriamente com grandes linhas de guitarra? Na arte da música reina o subjectivo e segundo a antiguidade romana, a busca do belo é tudo. Há muito que não ouvíamos algo assim, que realmente merece ser descrito como belo.
É o único tema cantado em português e facilmente se percebe que tal acontece graças ao tom sofrido e à métrica definida por Tobel Lopes. Consta que o tema surgiu espontaneamente numa noite pouco sóbria entre os dois amigos… Sai mais um copo para a mesa do Pica, sff!
O vocalista presente nos créditos do álbum não pôde comparecer mas mais uma vez David Pais esteve à altura do desafio num dos melhores momentos da noite. O q.b. de rock alternativo e de um cuidado redobrado no ênfase dado a cada sílaba, criou a aura necessária a uma lírica cheia de alma. E se há letra que merece ser cantada é esta! Escutem… fechem os olhos e lembrem-se que se Manel Cruz é um ícone da música nacional é-lo pelos mesmos argumentos.
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A improvável cover de Pendulum, “The Tempest” primou por isso mesmo. Os eco das notas introdutórias criaram um fio condutor interessante mas os carris do tema original não deixam espaço de manobra para reinventar o suficiente ao vivo. Já em estúdio as experiências de pedaleira criaram uma miscelânea de sons estranhamente interessante. De qualquer forma, é um legítimo devaneio…
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Nenhum dos elementos se ausentou do palco. Sentados em comunhão, partilharam a dor e o pesar connosco, público, num momento de uma simbologia incrível e que sensibilizou de forma arrepiante.
A incrível força deste miúdo ficou espelhada na forma como atacou o que seria o último tema da noite :”Faceback”. Não falhou em atingir os ambiciosos timbres à la Bruce Dickinson, fugindo assim da sua zona de conforto. Já os riffs foram reconhecíveis de olhos fechados não tivessem o carimbo de quem tem. Uma despedida cheia de identidade, criada passo a passo numa carreira que nos orgulhamos em acompanhar faz algum tempo e que nos recusamos a virar costas.
O forte de Tó Pica nunca foram as palavras, nem este alguma vez procurou ser um mestre de cerimónias, e estas não foram necessárias para descrever o que lhe passava pela cabeça. O sorriso, que mais tarde deu em lágrimas, não escondeu a sua alegria. Uma noite de sucesso. Um álbum maravilhoso. Mais um capítulo vencedor é desta em nome próprio. Foi isto o seu melhor?
Há muito que deixámos de importar com isso…
“Is This the Best You Can Do?” sem saudosismos, é um dos melhores álbuns nacionais à data neste riquíssimo ano 2015. Está longe de ir ao encontro do que se possa esperar de um Pica versão RAMP e a sua diversidade e primazia de temas melancólicos, para além de surpreendente, é mesmo o melhor argumento.
Claramente não é um disco a solo do guitarrista rocker/metaleiro mas do artista no seu todo. Um álbum de antologia, esperamos nós!
Em nome da equipa da SFTD Radio, presto as nossas condolências ao David e à sua família. A sua prestação na noite de sábado fora nada menos que memorável.
Texto: Tiago Queirós
Fotos: Joana Marçal Carriço (todas as fotos aqui)
Videos: Nuno Santos (todos os vídeos abaixo)
muitos parabens pela fabulosa reportagem !…! HORNS UP