[Report] Bizarra Locomotiva | Apresentação novo álbum “Mortuário”
24/02/2015 Category: SFTD Followers Comments:
Em câmera ardente… poderia muito bem começar assim a forma como descrevemos a passada noite de Sábado que contrastava com o frio ansioso que se fez sentir na extensa fila à porta da sala lisboeta. A escumalha continua sem desgrudar dos carris da
Bizarra Locomotiva. Eles são muitos e barulhentos. Poderão estar cada vez mais velhos mas cada vez mais fiéis a este culto sombrio e industrial. A máquina está mais do que oleada e o que comprovámos foi, sem redundâncias, a apresentação de um claro candidato a álbum do ano. A espera compensou.
O Álbum Negro, o bem nacional, foi sem dúvida alguma um capítulo histórico nestes já 22 anos de carreira. A Locomotiva percorreu estações e apeadeiros por este país, de Norte a Sul, e muitas dessas datas nos ficarão perpétuas na memória. Desde a sua apresentação no
Musicbox que as coleccionámos : a passagem pela FIL, o muito esperado
Fim do Mundo no Cais do Sodré,
Vagos Open Air,
Moita Metal Fest, os
XX anos no Ritz Club…
O
Mortuário anunciou-se como uma obra prima desta instituição do Rock Industrial português. A corrida às pré-reservas verificou-se bastante positiva tanto para a banda como para a
Rastilho Records e o próprio RCA. Foi de casa esgotada que se deu início ao novo capítulo. Se da última vez que os Bizarra Locomotiva
passaram pela mesma sala a SFTD Radio aplaudiu o formato
best of, que desfila clássicos atrás de clássicos, desta vez tinha o desejo muito concreto de desvendar os novos temas. Por essa ordem de ideias, foi com pleno agrado que assistimos à estreia de “A Febre de Ícaro”, tema de abertura deste novo LP e que apenas poucos privilegiados tiveram a honra de ouvir em primeira mão.
A introdução fez-se de suspense em tom de epopeia. O headbanging tornou-se contagiante. Miguel Fonseca cedo encheu a sala com a sua guitarra, Alpha deu-lhe os pormenores futuristas e na bateria Rui Berton fez tremer os alicerces da cidade. Por outro lado, o tema que se seguiu já rodava na nossa playlist pessoal ao longo deste ultimo mês e muito fez salivar entretanto.
“Mortuário” surge como um dos temas fortes sendo provavelmente a escolha para primeiro single. Tem tudo: o riff mecanicamente viciante, o sex-appeal rítmico, o carimbo da banda, o refrão orelhudo… No fundo, tudo aquilo que nos faz reconhecer e aplaudir a banda ao longo destes anos mas com uma produção melhorada e mais adequada ao imaginário do quarteto. O próprio álbum apresenta-se mais denso, com atmosferas pesadas e paisagens sonoras tendencialmente mais sombrias. Poesia inquietante e que, mais do que nunca, consegue destacar a figura chave de Rui Sidónio no álbum como no registo em palco. Uma característica que se verifica ao longo dos 14 temas e que certamente será do agrado da extensa legião de fãs. Ao vivo soa a hino. Haverá melhor forma de estrear um tema? As personagens incorporadas continuam tão viciantemente perturbadoras como sempre. O objectivo eficácia teatral não cede à sobrevalorizada eficiência. Eles dão tudo do princípio ao fim. Sempre.
A sequência seguinte, bem mais familiar do público, aumentou o nível de interactividade eliminando qualquer tipo de timidez no momento de participar nesta festa de lançamento. “Gatos do Asfalto”, “Buraco Negro” e “Desgraçado de Bordo” são músicas-chave na carreira e os coros fizeram-se ouvir. De volta ao centro das atenções da noite, “Foges-me em Chamas” foi uma trip que nos retirou, de forma muito subtil, os pés do chão. O público flutuou sem se aperceber. As harmonias que têem o seu q.b. do famoso Trip Hop de Bristol são características que muito abonam na estrutura do próprio concerto… E de repente um “chapadão” monstruoso! O contraste dos versos com o refrão é um rasgo de pura genialidade.
“Segredos Ferrugentos” poderia muito bem fazer parte de um álbum dos Mão Morta. Mais easy listening vai piscando o olho a um FM em vias de extinção. Respirou-se fundo não fosse o fôlego necessário para mais tarde… E de facto não tardou. Do já adulto álbum homónimo, Bizarra Locomotiva, “Apêndices” foi mais uma vez usada como catalisador do caos canalizado em total violência sonora. Uma valente tareia de sinergia criada em tão pequeno espaço face ao tamanho dos colossos em palco.
“Egodescentralizado” deu apenas continuidade à destruição generalizada de cordas vocais. O peso industrial destes temas é recorrentemente apontado com o carimbo metal. É legítimo. Como isto da música não deve ser visto como ciência exacta, desafio os ouvintes a sentirem em prol de ouvirem. Escutem. É o peso que muito barulho pretende e não consegue. É metal sem o ser, para os mais conservadores.
Com o habitual convidado em palco
Fernando Ribeiro, mediático vocalista dos Moonspell, “Anjo Exilado” deixou rapidamente de ser uma surpresa.
A conhecida amizade com Rui Sidónio traduz-se em fiel diplomacia nestes momentos chave sendo algo que deve ser aplaudido nos dias que correm. Não sendo um momento realmente especial, não deixa de ser sempre um dos momentos mais aplaudidos como mais uma vez o fora. “Engodo” e “Cavalo Alado” deram seguimento deixando o público fervoroso. O poema é dos poucos que não tem a letra creditada à própria banda, sendo de Nunes da Rocha, mas a roupagem não deixa dúvidas. Dinâmico, rápido, viciante.
“Na Ferida um Verme” são palavras sussurradas mas penetrantes. Um dos melhores momentos de “Mortuário” e um tema que ameaça clássicos na luta pelo seu lugar em setlists futuras. Igualmente se pode verificar na bola de cristal que “Sudário de Escamas” veio para ficar. De livro aberto o sermão foi pregado e a fé foi difundida. Ateus nem os vimos. Pregar assim é fácil mas é merecido. O verdadeiro culto. “O Escaravelho”, curioso insecto que acompanha a banda à bastantes anos, e que nos arrebatou nos saudosos tempos do “falecido” (sem declaração de óbito) Super Bock Super Rock, deu por terminada a quase incessante banda sonora de indústria apocalíptica que já se fazia ouvir por quase hora e meia. Breves foram os momentos para levantar os queixos e lançar os primeiros comentários.
A ideia que fica é de total satisfação por quem sentia de perto a pulsação do público. Posto fim ao silêncio começou a procissão. A experiência é sempre de certa forma espiritual mas ganha um novo simbolismo na passagem da tocha. Não será certamente a despedida de “A Procissão dos Édipos”. No entanto é de notar que um dos marcos de Álbum Negro de 2009, que hoje está guardado para a recta final vencedora, não se encontra no topo do Evereste. E tocam os sinos… Esse marco ficou reservado para a reafirmação de “Mortuário” como a bandeira desta nova fase da viagem dos Bizarra Locomotiva. Um momento que poderia cair na cansada repetição mas que concretizou a vontade irracional de consumir o novo álbum em modo replay.
Já se encontra nas plataformas de stream e à venda pela Rastilho Records. Há momentos que os metaleiros e rockers portugueses se devem unir. Este é um deles. Meter este álbum nos tops representa toda uma necessidade em nos afirmarmos. Está na hora de mostrarmos ao resto do mundo mais um dos nossos “pesos pesados”.
Texto: Tiago Queirós
Agradecimentos: à Rastilho pela disponibilidade demonstrada e à Joana Cardoso/Arte Sonora pela amabilidade na cedência das fotos acima (galeria completa na Arte Sonora, aqui)
Leave a reply