O Rock não tem dias da semana. Não é do feitio da SFTD render-se às mantinhas e ao sofá e juntamente com outras tantas centenas de pessoas rumou à sala irmã do Pavilhão Atlântico, Sala Tejo, para assistir ao concerto dos Guano Apes.
Os londrinos Army of One ficaram encarregues do opening act onde tentaram aquecer o público, ainda pouco efusivo, em apenas meia hora com um hard rock moderno e consistente que por vezes revela alguns elementos de Rock FM como Alter Bridge e até mesmo Soundgarden (Chris Cornell para ser mais concreto). O single “Outside the Box / Inside the Ring” é um exemplo claro de elementos que encontramos hoje em dia em álbuns rock como o que vai fazendo Slash com o Myles Kennedy sem os virtuosismos que estes outrora conseguiram garantir. Ultimamente relacionamos o rock britânico muito como as vertentes provenientes da famosa brit pop, mas os ingleses demonstraram uma abordagem menos europeia o que de certa forma deu um certo encanto à sua prestação.
Já perdemos a conta das vezes que cá estiveram. Diversos momentos e contextos, tanto perto como longe, muitos de nós já se tinham cruzado com os alemães Guano Apes.
Longe vão os anos desse já esquecido festival no Estádio do Jamor, T99, que reuniu em três dias concertos de nomes tão sonantes como Metallica, Rollins Band, Ministry, Mercyful Fate, Monster Magnet… Os mais novos possivelmente até desconhecem que Steven Tyler e os seus Aerosmith por lá passaram e foram os Guano Apes que abriram.
Longe vão os tempos de Vilar de Mouros com Sepultura, Tomahawk e Melvins apenas para nomear alguns. E aquele concerto num Arraial do Instituto Superior Técnico? Consta que nunca houve tamanha enchente desde tal data.
De facto, é uma banda que faz parte da história dos Festivais de Verão em Portugal, desde as suas várias presenças em Vilar de Mouros, no hoje bem diferente Paredes de Coura assim como no extinto Festival Ilha do Ermal com Dilinger Escape Plan. Também no pretérito se prende o coro de vozes que correu com os Oasis do Sudoeste. Essas aclamavam os “primatas” mais acarinhados pelos portugueses nos últimos 20 anos. E Festivais Académicos pelo país fora? Assíduos! Não descuidando as suas passagens em nome próprio quer pelos Coliseus como pelo Paradise Garage onde tudo começou em 1999.
A média de concertos no nosso país chega a ser comparável com as de Cristiano Ronaldo a marcar golos.
Não faltam belos exemplos de bandas alemãs, no entanto, este fenómeno em Portugal é apenas comparável a nomes como Scorpions e Rammstein, bastante acarinhados pelos nossos conterrâneos. Mesmo assim a regularidade nos palcos portugueses é um aspecto muito próprio da banda.
O ênfase nas memórias vai muito para além da nostalgia. São elas que justificam a ida ao Pavilhão Atlântico, mais precisamente na Sala Tejo, sendo “Offline” apenas mais um pretexto, pouco convincente por sua vez.
Uma noite de terça-feira, marcada pela chuva, que finalmente veio afirmar a chegada do Outono, por motivos óbvios se revela uma data pouco entusiasmante para o público que por finais dos anos 90 e inícios dos 00’s estaria no pico da sua adolescência com um pé no Post-Grunge e outro no Nu-Metal. Na plateia reinam os já trintões que outrora perdiam a cabeça com o groove pujante
Para compreender o “feeling” na sala é necessário compreender como é que estas diferenças, quer na banda como no público, lá se foram adaptando.
O cruzar de variados factores alheios ao surgimento dos Guano Apes criaram um habitat natural perfeito para a sua Natureza sonora. São um nome que em certo período de tempo se renunciaram a sair da loucura dos anos 90 sendo a sua fórmula uma bela adaptação ao novo milénio. Até 2004, ano que dá início ao hiato prolongado até 2007, fizeram parte da banda sonora de uma geração que vai desde o boom do grunge e rock alternativo até à cerimónia fúnebre do Nu-Metal.
Desde então, e parecendo que não, já se passaram quase tantos anos desta versão 2.0 da banda quantos os áureos regados a singles de sucessos.
Os álbuns de 2011 (Bel Air) e 2014 (Offline) não convencem e nos mp3 prevalecem ainda os mesmos temas do passado.
O concerto na Sala Tejo ficará na memória (de alguns) pela aposta clara em demonstrar o trabalho feito por uma banda com cicatrizes do passado aparentemente saradas com uma nova realidade. Mais madura e que assume o cliché da história do rock getting softer and softer…
Na noite anterior marcaram presença numa sessão de perguntas e respostas do Talkfest no ISEG. Os presentes foram informados que a mítica vocalista estaria meio constipada, não deixando por isso de se mostrar bem disposta e comunicativa.
Tendo isso presente compreende-se que a sua performance vocal fora mais contida mas sempre de grande nível. “Rain” e “Pretty Scarlet” não seriam convocadas, essa era uma certeza antecipada.
A introdução pop que rompeu a saturante espera de mais de meia hora, destoou com a adrenalina espectante do público. Uma forma eficaz de domar as feras que se demonstraram aparentemente calmas na fase inicial do concerto.
“Carol and Shine”, distante de temas de abertura de outros tempos como “No Speech”, foi retirada de Bel Air e escolhida para abrir a setlist. Uma opção que revelou ser pouco frutífera e que apenas limitou a reacção do público em “You Can’t Stop Me”. Um clássico que ainda desperta o público mas cujo build up poderia ter sido melhor. Um joker jogado cedo demais face à sequência que privilegiou o “dar a conhecer” ao “relembrar”.
Sete temas recentes, privilegiando os temas do álbum lançado este ano (“Fake”, “Hey Last Beautiful”, “Like Somebody”, “The Long Way Home”, “Numen”).
Em palco estavam 4 elementos a dar tudo para uma sala vinte vezes maior do que a presente à sua frente. Uma sequência com a dinâmica do que normalmente assistimos num concerto mais pop, com sucessivos pedidos de interacção como as habituais palmas e braços no ar tentando até pôr o público a dançar ao som de “Fanman” porque “music is all about rythm and movement”.
A evidente felicidade de Sandra Nasic e os seus três homens estaria certamente mais ligada ao facto de ser a última data de uma tour, que leva já três semanas de estrada, do que propriamente pelo concerto em si.
A organização já antecipava como convidados especiais os portugueses Blind Zero, pelo que a subida de Miguel Guedes ao palco não provocara grandes surpresas e a verdade é que não é uma figura que reúna uma reacção unânime dentro do público. “Quietly”, que em Madrid tivera um lugar mais cedo na setlist, foi uma tentativa de dueto. O portuense não conseguia entrar no tom, certamente pela falta de ensaio, o que de certa forma se tornou um momento mais humorístico do que outra coisa. As constantes demonstrações de empatia e proximidade pareciam forçadas e fora de nexo. No fim do tema a sensação que ficou foi de a música em si ter passado ao lado.
Por outro lado, por incrível que possa parecer, é com um tema dos próprios Blind Zero, que substituíram os músicos da banda, que se criou um momento minimamente especial. “I Will Take You Home” de Kill the Drama foi um óptima oportunidade para assistir de perto à versatilidade da alemã. Este sim um dueto a roçar os níveis de intensidade dos clássicos da Disney.
” All I Wanna Do” sem ser single, demonstrou-se um dos temas que reuniu melhores reacções fora do leque de temas greatest hits. Um público mais solto a reagir na recta final.
O primeiro momento realmente Guano Apes chegou mais tarde do que muitos queriam mas não faltou. “Open Your Eyes” continua a ser um dos temas mais aplaudidos e facilmente se compreende porquê. Não se recuou no tempo mas houve um certo rejuvenescimento na plateia que não se conteve nos saltos e no sing along. Foi certamente por momentos destes que a maioria saiu de casa. Os níveis de entusiasmo aumentaram substancialmente.
Um primeiro encore demonstra que pelo menos o single do ultimo álbum já roda nas aparelhagens de algumas dezenas. Bem distante da sonoridade que lhes deu nome no mundo da música, “Closer to the Sun” revelou algumas dificuldades na passagem de estúdio para palco. A vocalista não conseguiu atingir certas notas que ficaram diplomaticamente disfarçadas pelos samples usados no tema.
“Big in Japan” foi o único momento retirado de Don’t Give Me Names, que tanto rodou nos discman deste país.
Não fosse essa a última, os portugueses não deixaram de comprovar o porquê de estarem presentes no documentário gravado pela banda há uns anos.
Um segundo encore trouxe de volta ao palco uma banda com bastantes sinais de boa disposição. Muito comunicativos com Henning Rümenapp (guitarrista) a demonstrar-se satisfeito com a sua Super Bock e Stefan Ude (baixista) de cachecol da selecção nacional a puxar pelo público. A melhor banda do mundo na óptica da vocalista que anunciava um instrumental que se veio sobrepor a outros temas que compuseram a setlist valorizando a prestação do trio.
Para terminar recuou-se mais uma vez para partir a loiça com “Lord of the Boards” do clássico álbum de estreia da banda – Proud Like a God.
No fim a sensação é de que nesse momento o concerto estaria a começar realmente. Não encheu as medidas mas comprovou os níveis de confiança depositados nos Guano Apes, sendo o público claramente receptivo a todas as opções que tomem na sua carreira. É legítimo não saturar com formatos best of, mas nem todas as consequências dessa opção são positivas.
Para a história fica mais um bilhete. No final de contas, para o ano há mais, dito pelos próprios.
Texto (e vídeos) : Tiago Queirós
Fotos gentilmente cedidas por Catarina Torres
Leave a reply