O primeiro dia parece sempre que nos leva as energias todas. É inevitável. São as horas de viagem, a maratona de concertos, a noite mal dormida nas famosas tendas de 2 segundos… Todo um martírio… Para quem esteja de fora. Porque nós adoramos e ao segundo dia estávamos prontos para outra e rumamos ao recinto bem cedo!
Logo de seguida, a escassos metros no palco secundário, os Dr. Living Dead não baixaram o ritmo com um concerto igualmente enérgico que pode muito bem ser adjectivado de boa onda.
Com as suas máscaras e os seus riffs rápidos, deram continuidade ao que os Iron Reagan tinham começado. Este claramente que era o dia dedicado aos amantes do mosh-pit.
Guillermo Izquierdo (Angelus Apatrida) ainda deu um saltinho ao palco, não de microfone na mão mas de guitarra em punho.
Facilmente convenceram melhor os indecisos do que os Death By Stereo na tenda Rituals.
O feeling 70’s apoderou-se do Mainstage por quase uma hora com o trio germânico Kadavar. A par de Graveyard, entre outros, foram ao sótão em busca dos sons que mistificaram toda uma época, que pode ser somente descrita como áurea. Dos riffs sabbaticos do seu stoner às trips do que lhe quiserem chamar: rock espacial, psicadélico ou acid; os alemães, mesmo a remar contra a maré, conseguiram montar um concerto de grande nível, sem nunca deitar por terra a postura algo distante e fria de quem não soube conjugar a arte da música com a do entretenimento. Prevaleceu o rock que chegou perfeitamente. Uma banda ideal para o Reverence Valada.
O tom subiu de nível quando os Toxic Holocaust atacaram os power chords em Up-Tempo obrigando o público a sacar das suas guitarras, guardadas no baú do intangível. O seu Thrash moderno é simplesmente um dos mais satisfatórios que podemos encontrar. Fiéis ao legado deixado pelos pioneiros nos anos 80, primaram pela velocidade espelhada ao longo da sua discografia que, por pouco versátil ou ambiciosa que seja, não deixa de garantir o feeling mais rock’n’roll de toda a metalada. Mais uma vez se comprovou que este é dos géneros mais eficazes em qualquer festival de peso. Chemistry of Consciousness de 2013 ainda é o prato servido no menu, abrindo com “Awaken the Serpent” mas passando também por “Acid Fuzz”, tentando sublinhar que o álbum não merece ser tão indiferente como muitos pintaram na altura. Fecharam com “Nuke the Cross” e “Bitch”ditando assim o ritmo que iria preencher o palco Chaos nas próximas horas. Quem pregou o seu lugar frente aos americanos não se arrependeu mas quem espreitou a tenda Rituals também não…
Os punks Anti-Nowhere League podem nunca ter rompido na história como fizeram nomes como Ramones, The Clash, Sex Pistols ou Black Flag, mas para quem aprofundou um pouco mais o punk rock este era um nome a não perder.
Com uma setlist que obrigou os fãs a puxar pelas cordas vocais não faltaram “Animal”, “Woman”, “I Hate People” e ” We Will Not Remenber You”.
Se em tempos a discografia dos Metallica era o equivalente a saber a tabuada em qualquer concerto da malta das t-shirts pretas, hoje em dia não se pode dizer o mesmo: “So What?”, que outrora fora o tema mais reconhecido da setlist graças à famosa cover da banda de Lars e companhia, não se fez sentir como pretexto para os curiosos. Foi cantada na plenitude do obsceno humor que promove mas com o carimbo Anti-Nowhere League. Se alguém fez referência à cover foram os próprios. A geração da música via stream tem destas coisas! De volta às origens.
Sem surpresa, o tema que consagrou a passagem destes senhores da velha-guarda foi “Streets of London”.
No passado ano, Discharge e GBH serviram de chamariz para os punks da Península Ibérica, desta vez com o cartaz mais apontado para o metal, estes não aderiram de igual forma e neste concerto fez-se sentir a sua falta.
O hiato não glamorizou a carreira dos suecos e esta nova vaga preenche apenas os momentos mais descomprometidos de festivais e os desejos dos fãs que perduraram. Assim foi e o resultado fora de facto positivo. Se hoje fica bem, numa certa elite do rock/metal, abominar todo o tipo de fórmulas pop em palco, é porque nunca viveram o seu auge. Por alguma coisa a palavra “Show” não é usada de forma pejorativa. No aspecto entretenimento não pecaram em nada.
A balada “Abandon” acabou por proporcionar um momento raro neste festival partindo corações.
Se horas antes assistimos a Iron Reagan no palco principal temos que agradecer aos rapazes dos Dirty Rotten Imbeciles, ou D.R.I. como todos conhecemos: são uma clara influência em todo o universo do thrash crossover a par de Suicidal Tendencies.
Longe do enquadramento e visibilidade de Tampa Bay ou de Nova Iorque, os texanos deram uma nova roupagem às tendências de início de anos 80. 25 anos depois de Thrash Zone e em Viveiro sublinharam aquilo que já sabíamos: nunca romperam no mainstream mas são lendas do underground. A nossa bandeira portuguesa ainda não chegou à lua mas ajudou a embelezar o palco chaos.
Aos simpáticos Deez Nuts coube a difícil tarefa de tentar captar a atenção do público, quando grande parte já caminhava para o Mainstage em busca do lugar certo para assistir aos cabeças de cartaz. O seu Hardcore soou boa onda e descomprometido como ficou claro com “Band of Brothers”, cantado por centenas. Como outrora diziam os Da Weasel: deram-lhe com a alma!
As vezes que a palavra Portugal fora entoada nos momentos entre temas fez-nos sentir a proximidade que têm com o nosso país. Ou falta dela em relação ao mapa.
-Sim rapazes ( Deez Nuts), a Galiza é uma província portuguesa… Nós é que já nem nos lembramos disso.. De qualquer forma nós gostamos sempre receber-vos.
O novo álbum, World is Bond, já está nas bancas e ao vivo já contaram com o retornado Sean Kennedy no baixo.
Os olhos brilharam com a entrada de Lemmy Kilminster. A final de contas era Deus, ali à nossa frente, de botas, chapéu de cowboy e envergando com orgulho a verruga mais conhecida da história da música. “We are Motörhead, We play Rock’n’Roll”. Foi assim, como sempre, que se deu início ao concerto do nome maior do Resurrection Fest 2015. Ao contrário do que se passou no Rock In Rio Lisboa, o sistema de som conseguiu aguentar os altos decibéis que afamaram este trio. “Motörhead” foi servido à partida para a maior enchente que há memória frente ao palco principal.
O entusiasmo inicial manteve-se em clássicos como “Damage Case”, “Stay Clean” e “Metropolis” com o riff que transborda sex appeal.
Aos poucos fomos ganhando a noção que a setlist não arrisca nos temas mais rápidos, e por consequente mais cansativos para a própria banda.
“Over the Top”, com o seu blues rock de estádio (aquele do tipo que não envelhece nos AC/DC), teve direito a um grande solo de guitarra de Phill Campbell. O distanciamento de Lemmy da frente de palco criou uma certa frieza com o público. Não que tenha falhado em dirigir-se-lhe mas acabou por ditar uma noite vitoriosa para o nº2 dos Motörhead.
O homem show frente à bateria foi de facto “Wizzö”. Já Mikkey Die continua a ver os anos passarem-lhe ao lado com um jogo de baquetas frenético.
São muitos anos de estrada e de facto não houve “Iron Fist”, “Bomber”,”Shoot You in the Back ou “(We Are) the Road Crew” no entanto houve clássicos como “The Chase is Better Than the Catch”, “Just ‘Cos You Got The Power” e até mesmo a mais recente “Lost Woman Blues”. Tudo temas que satisfazem quem tenha uma maior proximidade com a discografia da banda. Os que foram pelo mito talvez não tenham absorvido bem a magnitude destes senhores. Mas não se enganem, se hoje têm dias que são mito, já houve tempos em que era bem realidade. Por isso, estão perdoados mil vezes por cada show menos bom.
“Dr.Rock”, com um solo de bateria avassalador, demonstrou um pouco do feeling desses tempos
Para o fim ficou a machadada final que é sempre infalível.
Se sondássemos o público, de qualquer festival que tenha Motörhead no cartaz, e perguntássemos qual a seria a música que aguardavam com maior expectativa, larga percentagem de respostas iriam incidir, sem duvida, em “Ace of Spades”.
Houve certamente quem fosse de propósito para não deixar escapar a oportunidade de ver ser tocado ao vivo um dos maiores ícones sonoros da história do rock.
O som surround não precisou de grandes truques tecnológicos: cantou-se frente ao palco, na zona do PA, atrás, de lado, nos bares, nos stands dos patrocinadores e até mesmo fora de recinto. Tanto quanto sabemos, foi cantado por todo o lado. O maior coro de vozes que o Resurrection proporcionou em 2015, uniu rockers a punks, metaleiros, freaks, góticos… todos!
Por obra do Diabo, ou de Deus, ou até mesmo do Santo padroeiro da zona, o volume ainda aumentou em “Overkill” para mais 3 ou 4 toneladas. Onde outrora havia relva passou a haver poeira. Os Cowboys de Sérgio Leone e Ennio Morricone podiam ter estilo, mas nós gostamos mesmo é dos cowboys de bourbon, Jack Daniels preferencialmente e de Marlboro.
Aos homens cresceram pelos no peito, à senhoras… Consta que 3 ou 4 engravidaram! O que dizer? Motörhead…
Deu-se seguimento à sessão retro em dois palcos diferentes. No chaos com os veteranos Nuclear Assault e no Rituals com os pioneiros do Hardcore, 7 Seconds.
Pela tarde tínhamos encontrado Dan Lilkermo no recinto, baixista dos thrashers nova-iorquinos, e recordámos que este fora um dos fundadores dos míticos Anthrax, juntamente com Scott Ian, na altura como guitarrista. Um histórico que ajudou a inventar o thrash metal e a ele dedicou-lhe a vida.
Os Nuclear Assault provaram que são uma banda de baterias rápidas, de constante shredding e riffs poderosos. Gostam mesmo é de velocidade e agressividade e nunca sentiram necessidade de mudar o registo. A voz de John Connelly, que também fora Roadie dos Anthrax, relembrou por vezes a figura de Joey Belladonna, com quem possivelmente nem se tenha cruzado na época. Para registo ficou um concerto que esteve perto de chegar ao nível do que os Annihilator proporcionaram em Vagos (voltam ainda este ano ao Porto).
Do outro lado os 7 Seconds faziam as delícias da geração HC mais velha-guarda. A temperatura subiu num ápice e se as movimentações frente ao palco servem de barómetro, então podemos afirmar que fora um êxito.
A curta passagem por Viveiro não permitiu grandes invenções. O feeling mais thrash aliado ao som atmosférico das teclas não foi maximizado mas também não ficou distorcido ao ponto do incómodo. O som catchy funciona melhor em recinto fechado, mas um festival tem sempre outro gosto por isso nem tudo se perdeu.
A última banda de originais a tocar na tenda Rituals neste segundo dia era nada mais nada menos do que um peso pesado do hardcore mundial, os “Keepers ou The Faith” – Terror.
Como seria de esperar a procura fora intensa. Este é um festival que nasceu deste género e não dos outros tantos que hoje inclui e isso ficou bem espelhado nessa altura.
Se Hatebreed serve de ponte ente géneros, Terror está logo a seguir. Uma banda a escutar por quem venha do metal rumo ao core clássico.
In your face é uma expressão muito utilizada para descrever o tipo de som que os Terror têm para oferecer. “Live by the Code” e “Return to Strenght” foram apenas dois dos exemplos claros que definem o que são para o seu público. Choveram corpos. Isto é Hardcore!
Recebidos com poupa e circunstância, os In Flames eram uma das bandas mais aguardadas da noite.
Com uma das maiores produções em palco este ano, o limiar da epilepsia fora constantemente desafiado. Para os fãs portugueses esta fora uma oportunidade única.
O death metal melódico pode não ser uma novidade mas não deixa de ser bastante consumido pelo público nacional, basta darmos uma vista de olhos à agenda da Prime Artists para comprovar. O caso da banda encabeçada por Anders Fridén pode-se considerar único, em certa medida, e essa originalidade tem uma factura: não consegue agradar a gregos e a troianos. A forma como desde cedo conseguiram adicionar elementos do rock alternativo, que nos 90 considerávamos mainstream, dificulta-nos rótulos, mas quem é que gosta deles de qualquer das formas?
O visual casual e pouco dado a clichés metaleiros fica bem com o som limpo, seguro e poderoso. Houve uma clara preocupação nesse aspecto e a equipa técnica de som demonstrou ter feito o TPC.
“Only for the Weak” a abrir, um dos temas chave da carreira dos suecos, deixou claro que tinham vindo em busca da taça. A de melhor concerto da edição 2015.
O que faltou aos Soilwork em Vagos os In Flames tiveram em demasia: o ambiente nocturno e pitoresco das luzes elevou temas como “Alias”, “Deliver Us” e a famosa “Cloud Connected”.
Como não poderia faltar, “Take This Life” ficou guardada para a recta final num momento a reter para a posterioridade e certamente próximo de se tornar video-viral: na primeira fila um fã fez de tudo para chamar à atenção para o seu cartaz. Com ele a porta de entrada para uma experiência única. Javier, subiu ao palco e juntou-se à banda para cantar um dos singles de maior sucesso. Um momento não ensaiado e que se revelou de grande qualidade. Alguém que contrate o rapaz sff!
Com direito a um dos raros encores do festival, o ponto final desta passagem foi feito ao som de “My Sweet Shadow”. Não sendo uma das bandas mais pesadas do cartaz não deixou de conseguir um público completamente rendido. Nem tudo é uma questão de peso no Resurrection, também há lugar para a melodia. Nós por cá apenas podemos aguardar por uma futura data.
À terceira vez (em menos de dois anos) que a SFTD Radio se cruzou com os The Exploited os escoceses apresentaram-se bem mais frescos. A memória da sufocante noite na República da Música, que curiosamente promovia este festival, certamente perdura em Wattie Buchan mas este logo voltou a subir a sela e, sem medo, lá retornou no passado mês de Maio. Desta vez o que confirmámos é que a banda para além de se enquadrar perfeitamente no cenário underground e intimista também funciona no contexto festivaleiro. Com o público muito mais interactivo (com provável auxílio de umas quantas “cañas”), o que era um concerto passou a festa. E das boas.
No palco que primou pelo Thrash puro e o que roça o Punk, a rolha do champanhe foi lançada ao som do puro e duro street punk. O que transpira revolta e rebeldia, que diz as coisas pelos nomes e que não perde energias em o justificar.
“Lets Star a War” manteve-se intacta no topo da setlist. Dai para a frente não há grande novidade também. O best of voltou a correr e a funcionar. Os clientes estão satisfeitos por isso é mais do que legítimo, é obrigatório! A ironia é uma arte, mas não se trata de todo. Foi assim que se proporcionou um ambiente de celebração. A noite de sexta teve de facto um feeling especial no ar, reinando a boa disposição após uma maratona de concertos (o dia anterior tinha servido apenas de aquecimento). Debitaram-se letras em “Fuck The System” e “Beat The Bastards”, entre outras tantas, mas mais uma vez o grande momento teve apenas três palavras: “Sex and Violence”. A tradicional invasão de palco não faltou e tomou uma proporção épica e com direito a mosh! Uma memória visual que certamente perdurará.
A noite poderia ter ficado oficialmente terminada por esta altura. Na anterior os Defclones não souberam cativar o suficiente e na linha editorial da SFTD Radio sempre nos focámos em bandas de originais. Desta vez temos forçosamente de criar uma excepção. Para nosso orgulho, com uma banda portuguesa a dar show em solo estrangeiro.
Os Abaixo Cu Sistema, banda de tributo aos System of a Down, conseguiram o inimaginável de acontecer para lá das 4h: uma tenda Rituals cheia, como apenas os grandes nomes (Comeback Kid, 7 Seconds, Terror, etc) tinham alcançado e não só… Meteram o público espanhol em puro extase, ou se preferirem, delírio. De wall of death a diversos mosh pits simultâneos, coros incríveis em hits como “Toxicity”, “Prison Song”, e até mesmo uma sessão de dança, que envergonha muita banda de música balcã, com “Radio/Video”.
Aquele momento deverá ter sido, para o quarteto, a concretização de um sonho. Vestiram a pele dos seus ídolos e foram aplaudidos de pé por o fazerem em grande nível.
São momentos que não se sentem via YouTube e que valorizam toda a experiência de quem sai de casa.
O segundo dia não podia ter acabado de melhor forma.
Texto: Tiago Queirós
Fotos: Nuino Santos | Todas as fotos aqui: Dia 1 | Dia 2 | Dia 3
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