[Report] Uma noite com Machine Head no Coliseu dos Recreios de Lisboa

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O peso dos Machine Head fez tremer os alicerces da baixa pombalina e os efeitos são ainda sentidos ao nível da cervical. O Coliseu de Lisboa acolheu a segunda data portuguesa de “An Evening with Machine Head” e registou até agora, segundo a banda, a maior enchente nesta sua passagem pela Europa. Uma noite intensa desde o primeiro momento num desfilar de marcos de uma carreira enganadora quanto à sua idade.
Já passaram mais de 20 anos de Burn My Eyes e a fórmula da sua juventude vai além da longevidade do histórico álbum de estreia que conseguiu o feito de se manter actual passados tantos anos: com 8 álbuns de estúdio e dois registos ao vivo, a banda de Oakland (Califórnia) continua a fazer jus ao seu estatuto que os afirma como uma das bandas mais significativas do metal contemporâneo. A distinta discografia pode já ser caracterizada por fases e o seu contexto a cada momento reflecte bem o evoluir dos tempos nestas últimas décadas. Pelo meio conseguiram criar uma sonoridade própria que os distingue de tudo o resto, quer na “nova vaga de metal norte-americano”, na sua passagem menos aplaudida pelo Nu-Metal, como no thrash / groovemetal que praticam de forma ímpar. 

Será que preencheram a vaga deixada pelos Pantera? O estatuto da banda, a sua discografia e o impacto dos seus concertos tudo apontam para tal. Há falta de verdadeira competição, vão se distanciando de uns Lamb of God, evitando a vertente mais experimental de uns Mastodon e a descaracterização total dos Slipknot versão geração millennial. 
Sim, nos livros de história encontraremos o seu nome numa linha cronológica que nasce em Black Sabbath passa por Motörhead, Judas Priest, Iron Maiden, não renuncia a Metallica, Megadeth e Slayer e que não morre com os Pantera, por muito saudosos que possamos ser em relação a tal. 
O vasto público, fiel à causa como sempre, compareceu em massa dominando as Portas de Santo Antão vestido a rigor (de preto como manda a tradição) e provou mais uma vez que somos um nicho de mercado que merece ser correspondido pelos grandes promotores com eventos desta escala. Em “burocratês” – Win/Win situation! 
Para o vulgo mortal, distante destas andanças, para quem o preto seja sinal de luto, retirar-se-ia tamanho preconceito com o ambiente festivo verificado à porta da mítica sala da capital. Eventos destes, que o underground parece ainda repudiar de forma bacoca, saber-se-á lá porquê, servem de óptimo pretexto para reencontrar diversas caras conhecidas vindas de todo o país. Talvez por esta dimensão escassear, deparamo-nos sucessivamente com a falta de hábitos de consumo para com os eventos de menor escala. Culpar directamente o público pelas suas escolhas é algo que surte poucos efeitos e já se sabe que não se apanham moscas com vinagre… 
Foram anos à espera pelo regresso dos Machine Head aos nossos palcos e a omissão de uma data da tour Killers & Kings (que passou pelo país vizinho) não caiu nada bem no goto dos fãs.
Tudo isso era passado e a noite adivinhava-se especial desde o passado mês de Outubro (quando a banda anunciou estas duas passagens por Portugal), sendo que promessa de um set alargado a mais musicas muito contribuiu para tal. Finalmente o publico português seria ressarcido. 
“An Evening With Machine Head” serviu de pretexto para evitar os slots dogmáticos para bandas de abertura, muitas vezes usadas como jogadas imorais dentro do show business
Tal como o carismático frontman Robb a certa altura disse: esses lugares são grandes oportunidades de lançamento para novas bandas (e que muito lhes ajudaram na fase inicial de suas carreiras) mas o público também merece este tipo de intimidade em assistir a uma banda sem a presença de “estranhos” à sonoridade proposta, privilegiando assim uma comunhão de fãs. Que, como já afirmámos, estavam longe de serem poucos. Há muito que o seu leque de temas fortes deixou de dar espaço às famosas covers de Pantera, Iron Maiden e Metallica que já mal nos lembrávamos de um dia terem acontecido. 
Em boa verdade, a experiência que retirámos da sua última (dupla) passagem pelo nosso país comprova que nem sempre se consegue esquivar dos constrangimentos de uma banda de abertura que não agrade uma maioria sedenta pelo headliner. Os fãs de Bring Me the Horizon foram certamente os primeiros a não se sentirem confortáveis na presença de uma grande generalidade repartida entre a ambiguidade ou o puro ódio. 
Ao som de “Diary of a Madman”, do histórico segundo álbum a solo de Ozzy Osbourne (e último a contar com o lendário Randy Rhoads), a multidão centrou as atenções para o palco onde pouco depois se ouviria a introdução de “Imperium”, o registo que (re)catapultou a carreira da banda em finais de 2003. O caminho promissor dos dois primeiros álbuns foi retomado desde então. Um indiscutível clássico que não arreda pé (e bem) da setlist. Sempre nos foi apresentado algures entre as primeiras 3 ou 4 musicas (no curto concerto do Optimus Alive chegou a ser a primeira) mas não iguala o poder de “openers” como “I Am Hell (Sonata in C#)”, apresentada da última vez, ou a devastadora “Clenching the Fists of Dissent” que abriu o concerto do Rock in Rio em 2008, guardado ainda hoje na memória de Robb Flynn, confessando ter sido um dos momentos mais marcantes na história da banda, lado a lado com o colectivo de James Hetfield e Lars Ulrich chegando a gravar algumas das imagens para o videoclipe de tributo a Iron Maiden com o hino “Hallowed Be Thy Name”. 
Seja como for, a unanimidade deste single é inquestionável. “Hear me now!!!” Foi o primeiro coro e um verdadeiro tiro de partida para a anarquia explosiva presente no mosh-pit. Em seu redor uma constante esquadria de headbangers. De “metal horns” no ar debitaram a letra decorada de tantas audições ao longo da última década. 
No que toca a reunir consensos, os fãs da banda sempre foram claros ao afirmarem The Blackening como uma espécie de Master of Puppets, sendo que os mais facciosos não o afirmam somente pelo impacto na discografia mas sim em toda uma geração de metalheads. Quem somos nós para contrariar? 
“Beautiful Mourning” não sendo o espadarte de eleição, comprovou isso mesmo com o nível de acompanhamento das palmas ao ritmo proposto por Dave McClain, sendo seguido de uma bem mais recente “Now We Die” com o seu arranjo de violinos que tanto apaixonou como criou o pretexto para muita mesquinhice vir ao de cima nas críticas ao bem polido Bloodstone & Diamonds. 

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Machine Head performing “Now We Die” in Lisboa!
Publicado por Machine Head em Quarta-feira, 10 de Fevereiro de 2016

Este último registo de estúdio foi abraçado por uma grande maioria (sendo mesmo apontado por alguns como o álbum do ano) e ao vivo comprovou a sua dimensão sonora e o capricho nos pormenores. Infelizmente alguns problemas pontuais dificultaram uma audição clara de certas linhas de guitarra. 
A rampa de lançamento para as tais 2 horas e meia foi composta apenas de temas retirados dos últimos quatro álbuns e reafirmando que essa é a metade que os melhor caracteriza enquanto artistas, não querendo dizer por isso que renegam ao seu passado menos vanglorio… 
“Bite the Bullet” e principalmente “Elegy” foram duas raridades inseridas neste formato mas no entretanto fora “Locust” que surgiu da escuridão para testar as estacas do Terreiro do Paço com um microssismo provocado pelos saltos da multidão. 

Ao primeiro discurso da noite o mestre-de-cerimónias testou a fidelidade dos fãs oldschool (mais uma vez presentes) com dois sobreviventes de The Burning Red: “From This Day” e “The Blood, The Sweat, The Tears” (sempre um bom pretexto para umas “beers”) assumiram a postura descomprometida, que não pode nem deve ser levada demasiado à séria e milagrosamente transformaram metaleiros em foliões. É Carnaval, ninguém leva a mal! 
E o que não levámos mesmo nada a mal foi a opção de integrar o peso quase industrial de “Ten Ton Hammer” nesta setlist
Se por esta altura os fãs mais criteriosos podessem ter sentido alguma quebra de ritmo, o fast-pace de “This Is The End” serviu de desfibrilhador alucinante partindo a loiça toda, tal como o fizera da última vez. 
O único registo que realmente pouco contribuiu para memórias futuras foi mesmo o solo de guitarra de Phill Demmel que não adicionou rigorosamente nada ao espectáculo montado servindo-se apenas de alguns bendings desinspirados e demasiado mecânicos para se demonstrarem virtuosos. Todos sabemos que o guitarrista é capaz de fazer bem melhor do que nos apresentou no momento de encarar a multidão por sua conta. 
De volta ao palco, Robb Flynn partilhou algumas memórias, concretamente da sua passagem em 2008, apenas enferrujadas na precisão da data. 
Nós por cá sabemos bem que esse foi o verdadeiro virar de página para um novo capítulo dos Machine Head no nosso país pondo termo às salas de pequena dimensão e iniciando o ciclo que os aclama actualmente.
Entre frases o suspense de um acorde… 
Um dos momentos a reter desta noite é certamente “Darkness Within”. A melodia apaixonada e apaixonante, rasgada de puro sentimento num crescendo que faz justiça ao rasgo de genialidade lírica, criou nada menos do que espontâneos arrepios, olhos lacrimejantes e um sinfónico coro de vozes digno apenas de um verdadeiro hino. 
O glamour das power ballads é para muitos um estigma, como se um ponto fraco se tratasse mas quem se expõem desta forma merece o nosso total respeito. Numa altura em que se força em demasia o encaminhar do metal apenas no sentido dos seus extremos, é uma autentica demonstração de coragem compor e editar uma música desta natureza. 
Um metaleiro não chora e estava na hora de subir de tom e por o pé no acelerador. Alegorias à parte, de pés nos pedais, Dave McClain provou todas as suas capacidades como polvo de baquetas num solo de bateria notável (este sim!) deliciando quem vibra com estes shows de talentos ao vivo. Sem duvida, um dos elementos chave desta formação e que muito contribui para o ritmo contagiante que nos propõem.
“Bulldozer” foi a única cartada escolhida de um desinspirado Supercharger, formalizando assim a passagem por todos os seus álbuns e servindo de aquecimento para o circle-pit-on-demand para “Killers & Kings”. 
A dimensão da coisa fez-se sentir na dúvida de alguns em tirar ou não o telemóvel do bolso e filmar… Digamos que no epicentro daquele furacão de nível 5 havia todo um outro concerto.
Desta vez “Davidian” não fora guardada para o fim mas o impacto continua ser inacreditável e audível num raio de 10 km… Ou algo do género. “Headbang mother#####!!” Foram palavras de ordem que não ficaram fora do registo e que continuam a estimular a plateia. Clichés que muito contribuem para que os seus concertos sejam, de facto, dos melhores que podemos ver ao vivo.

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Machine Head performing “Davidian” in Lisboa!
Publicado por Machine Head em Quarta-feira, 10 de Fevereiro de 2016

A passagem mais do que esperada por Burn My Eyes fora apenas repetida mais tarde com o clássico “Old” que fez igualmente as delícias dos fãs mais antigos. Aqueles que viveram na pele a sobreposição do groove sobre o mediático thrash metal numa fase onde o saudável melting pot de géneros se fazia sentir quer no rock ,com o prevalecer de movimentos alternativos como o grunge, como no surgimento de uma geração X nascida do cruzamento forçado de crossovers, Hardcore e algumas referências mais “metálicas”. Uma tendência que o mainstream usurpou e deu à luz no malogrado Nu-Metal, ou que pelo menos o conduziu para um inevitável curto prazo de validade.
De guitarra acústica em palco percorreu-se o épico melancólico de Through the Ashes of Empire,
“Descend the Shades of Night”, já antecedendo a tendência de compor temas cada vez mais dados ao progressivo e ao jogo de texturas que prevalece nesta sua golden age. A transição de vocais limpos e harmoniosos para os berros enraivecidos, numa eficaz equação, resultou em poderosas descargas energéticas em mais um marco simbólico numa noite onde se consagrou, do início ao fim, todo o percurso dos norte-americanos. Poderiam ter optado por outra? Talvez, mas nessa linha de pensamento esta foi uma escolha plena de sentido. Quinze temas depois do tiro de partida, apenas uma das músicas tinha sido retirada de The Blackening e sem prejuízo algum para quem pagou os mais de 30€ pelo bilhete. É algo que espelha bem a consistência dos Machine Head em 2016, demonstrando-se completamente aptos para responder à pressão de um álbum tão aclamado. É claro que “Now I Lay Thee Down” e, principalmente, “Aesthetics of Hate” foram dos temas mais arrebatadores de todo o concerto e isso acompanhar-lhos-á para sempre. É o preço a pagar por tamanho feito. Flynn não deixou de dedicar esta última ao falecido Dimebag Darrell, numa altura em que o controverso caso “White Power” de Phil Anselmo percorre o mundo. Para os mais distraídos, o vocalista, que também esteve presente no espetáculo onde decorreu o deplorável incidente, deixou claro, num vídeo publicado por si mesmo, um cortar de relações total com o mítico frontman dos Down (e não só) que tem vindo a deitar por terra o seu estatuto heróico conquistado nos Pantera. Enquanto Phil passou de bestial a besta, Robb Flynn assumiu uma posição forte, sendo apontado de oportunista por uns mas aplaudido pela generalidade da população metaleira que não se revê nas atitudes de Anselmo. Nem mesmo ele, deverá passar impune face a tais actos.- é a mensagem que prevalece dando assim voz a uma maioria silenciosa.

Já na recta final, “Game Over” provou ao vivo o que já se retirava das audições do mais recente Bloodstone & Diamonds: é uma das melhores músicas que dele podemos retirar num ritmo que bebe algures do punk mais catchy e dono de um refrão viciante. Uma carta que, outros fossem os tempos, diríamos fora do baralho mas que funciona na perfeição. O resultado da passagem da Roadrunner para a Nuclear Blast parece ter alargado a liberdade criativa e isso nota-se não só na estrutura dos temas, nos seus arranjos e detalhes mas também na produção bem trabalhada. O abandono de um som mais cru tem vindo a dar belíssimos resultados e gostando ou não do que fora feito para trás, este parece ser o caminho a percorrer. 
Poderíamos aprofundar a entrada de Jared MacEachern, em prol da saída do incontornável Adam Duce no baixo, mas a ideia que perdura é de que a adaptação alcançou resultados de perfeita simbiose, indo de encontro ao som da banda de forma assustadora de tão imperceptível que é tamanha mudança.
O eterno debate sobre que músicas poderiam ter tocado até pode ter surgido entre amigos, no entanto, por esta altura era claro que faltava um tema que, fazendo uso do bom português, “nem que chovessem picaretas” poderia faltar : “Halo”. 
Alguma precipitação ao nível do crowdsurfing, muita humidade no ar resultante do calor abrasivo verificado no mosh pit, alguns sapatos perdidos na confusão e um mar de gente hiperactiva que não sossegou um segundo – era esta a paisagem que se confirmaria de qualquer ângulo das galerias. A paisagem que desejávamos assistir em todos os eventos do género e que nunca deixa de ser surpreendente por muitos bilhetes que vamos coleccionando ao longo da vida. 
Em coro, o público português se despediu dos norte-americanos que certamente se sentiram recompensados por estas duas passagens pelo nosso país. O público português está de parabéns pelo espetáculo que proporcionou na plateia e os Machine Head também por nos terem proporcionado tamanha experiência mais uma vez. 
Há muito que a promotora Everything is New se vem a destacar como uma referência na programação de grandes eventos, veja-se o caso do festival Alive, assim como nos nomes sonantes que lança regularmente para salas tão ilustres como Meo Arena ou nos Coliseus de Lisboa e Porto. De qualquer forma, o seu sucesso e reputação estão pouco aliados ao público inserido no imaginário hard rock/ Metal e muito menos dados aos sub-géneros mais extremos, completamente distantes do nível mediático necessário aos números a que esta promotora se propõe. É certo que eventos pontuais contradizem a ideia de uma rigidez ao nível das suas programações (Metallica, Rammstein, Apocalyptica, Avenged Sevenfold, Scorpions poderão servir de exemplo) mas a ideia que fica neste início de 2016 é de que estão de volta à carga aos “nossos” grandes eventos que, muito provavelmente, quem está a ler este texto terá em conta de futuro: AC/DC e Iron Maiden são dois nomes megalómanos que podemos encontrar em tour e as suas passagens já foram garantidas com vendas previsivelmente assinaláveis. 
Enquanto por outras praias ainda se suspira por um milagre (Black Sabbath?), a Everything isNew parece voltar à carga na música pesada. 
Esperemos que reflitam sobre os resultados verificados nesta aposta com “An Evening With Machine Head”. Não há público como este. Isso vos garanto. 
A equipa da SFTD aproveita para desejar as maiores felicidades aos nossos dois amigos e colegas Liliana e Johnny pelo nascimento, no dia deste concerto, do nosso mais recente membro e um metalhead desde o primeiro dia. 
m/ Bem-vindo A.! m/

Deixamos aqui um pequeno vídeo resumo desta fantástica noite, criado a partir de imagens cedidas pelo público:

Texto: Tiago Queirós
Fotos e vídeos da página da banda e cedidas pelo público
Agradecimentos: Everything Is New

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