10 de Agosto: Gojira, Paradise Lost, Vita Imana, The Quartet of Woah, Murk e Opus Diabolicum
O terceiro dia é só por si uma novidade no Vagos Open Air. Os dias na simpática cidade são intensos mas passam a uma velocidade estonteante. Brevemente a legião de preto rumaria de regresso a todos os cantos do nosso belo país. Nada como aproveitar ao máximo e marcar presença no recinto bem cedo, até porque os concertos estavam agendados uma hora antes dos dias anteriores.
Nas últimas décadas os Moonspell conseguiram cimentar o seu papel na história do metal português verificando o reconhecimento crescente que se faz sentir por todo o lado, não sendo somente pelo público metaleiro. Os tributos são sinal disso mesmo e, tal como a banda, o seu é algo muito exótico, no sentido de pouco usual, com o trio de “cellos” que já não são propriamente desconhecidos de quem anda nestas andanças. É com o tema que dá nome ao conjunto, “Opus Diabolicum”, do velhinho “Under the Moonspell”, que se dá uma falsa partida face a problemas técnicos. Não arrancou da melhor forma o último dia… Por norma a banda está associada a eventos com os próprios Moonspell o que é meio caminho andado para um maior feedback do público. Em Vagos, por incrível que pareça, não foi nada fácil, ou não se fez sentir na forma do seu potencial. “Opium” por exemplo, foi uma cartada usada logo de seguida e não tendo dúvidas que frente ao palco muitos saberiam a letra, não se fizeram ouvir como se fazem num concerto de Apocalyptica, por exemplo, sendo o 4º elemento e o que tem o factor decisivo entre ser um concerto memorável ou música ambiente. Nem mesmo o verso de Pessoa roubou a timidez do público. Não faltaram os temas chave das setlists da banda de Fernando Ribeiro, desde “Vampiria”, “Scorpion Flower” e “Nocturna” não esquecendo um autêntico hino do metal português, “Alma Mater” e terminando com, como manda a tradição, “Full Moon Madness”. Desta vez em concreto resultaria melhor com a adição de uma bateria ou simplesmente percussão, ou até mesmo, à semelhança do que se faz noutras andanças, a organização optar por incluir este tipo de performance (e quem sabe até mesmo de outras aéreas artísticas que estão associadas ao meio) num contexto off-stage dando uma nova roupagem a um festival demasiado dependente do que se passa em palco (apesar de o nosso foco estar sempre incidido nele temos de compreender que há público com características diferentes) tentando proporcionar actividades diversas e complementares aos próprios espetáculos. Era uma ajuda até para proporcionar uma experiência full-time do festival abrindo portas mais cedo se necessário. Uma espécie de Outjazz metaleiro quem sabe…
Do Algarve, os Murk sentiram na pele o risco de uma aposta underground num festival com esta importância. São um nome pouco familiar de grande parte do público, talvez agora isso melhore, num meio onde não faltam bandas na fila de espera e muitas delas facilmente fariam sentido no maior Open Air de metal do país. Este tipo de pressão foi de certa forma contra-produtivo para a banda que nunca teve o público na mão. Não deixamos de aplaudir o esforço em promover o que se faz por cá, no entanto é necessário ter conta e medida de forma a ser o mais justo possível quer com a banda como com o público. As pinturas faciais anunciavam um espectáculo mais teatral, ou pelo menos visual, mas isso só por si não basta. “Tyrants of Decay” foi o EP em foco, que não abalou os alicerces de quem está habituado com sonoridades nas imediações desse mundo chamado Death Metal, precisa de kms de estrada para ganhar maturidade na forma de encarar públicos nem sempre receptivos à novidade. Não quer dizer por isso que a banda seja um projecto a meter de lado, uma batalha perdida não dita o fim da guerra para quem retire conclusões sem baixar os braços.
Os The Quartet of Woah são um fenómeno que já chamou a atenção da SFTD Radio há algum tempo e não foi por acaso que considerámos ‘Ultrabomb’ o álbum do ano. Curiosamente a primeira reação foi polémica por causa de datas de lançamento do álbum e algum choque por parte do nosso público alvo que certamente esperaria algo dentro de um contexto metal. Não deixa por isso ser um orgulho assistir a uma escalada triunfante da banda que, contra todas as expectativas, conseguiu conquistar o coração dos metaleiros portugueses da mesma forma que nos conquistou a nós. Depois de passagens pelo Moita Metal Fest, Rockline Tribe Fest, SWR Barroselas e SMMF (ainda há mais!) o efeito choque já se tinha perdido quando o seu nome surgiu no cartaz desta edição do Vagos Open Air.
Em palco o conjunto apresentou uma setlist mais virada para o ataque e apoiada pelos seus míticos riffs que a dada altura se tornam um fenómeno quase físico. “The Announcer” foi o tiro de partida, “Empty Steam” serve de uma espécie de energizer em palco soltando as feras de forma definitiva ao longo dos temas seguintes. Não faltaram temas fortes como a poderosa “Balance” e a viciante “Taste of Hate” mas é com “Backwardsfirstliners” que deixamos o piloto automático de quem já mergulha em Ultrabomb há algum tempo. O tema mais recente faz salivar bastante, criando uma grande expectativa face ao sempre temível segundo álbum. O ritmo alucinante de “Slingshot Sam” e o single “U-Turn” encerraram uma sessão de luxo. A capital do Metal nacional foi invadida por alguns dos cavaleiros em melhor forma que, munidos com seu rock de grande qualidade, conquistaram sem dificuldades este povo.
Vita Imana: um nome a decorar certamente. Sem espaço para dúvidas, a maior surpresa do festival e um forte nomeado para melhor concerto da edição 2014. O metal espanhol está em grande forma, como já o tínhamos comprovado com Angelus Apatrida no dia anterior por exemplo, não só ao nível produtivo como ao nível de performance. Por esta altura o recinto já estava bem composto, até mais do que se poderia esperar: comparando o “peso” mediatico das bandas do primeiro e segundo dia com este ultimo sente-se a falta de nomes sonantes. Os madrilenos não são uma referência no nosso panorama nacional como é o exemplo anteriormente referenciado. Como é que conseguiram então? Deram o litro! Como se suas vidas dependessem disso. A entrega foi total e a resposta fez-se notar. Não são virtuosos mas são catalisadores de multidões. Incendiários de plateias e autênticas bombas de destruição em massa. A banda do dia com características mais próximas com o headliner pode muito bem ser encaixada num contexto Groove com toques de Cavalera, certamente com influências mais direccionadas para um Roots a tender para Soulfly e com uma presença muito “Anselmica” por parte de Javier Cardoso, um frontman cujo o habitat natural é claramente o palco sem temer por o pé na selva. Essa por sua vez era densa e sem regras, um mosh pit que faz inveja a muitos dos tais nomes mediáticos e de uma espontaneidade difícil de explicar. Por breves momentos ficámos com a ideia que até mesmo um dos seguranças frente ao palco aderiu ao crowd surf invertendo o sentido do tráfego aéreo no recinto. “Oceanidae” é o nome do seu novo álbum lançado este ano e que sirva de pretexto para um regresso. Os portugueses têm que por os olhos nas fórmulas vencedoras que se estão a consagrar aqui tão perto. Principalmente ao vivo e a cores. “Paranoia” resume bem a pequena mas intensa prestação da banda, certamente alguém registou esse momento…
Um marco geracional, os Paradise Lost são uma banda bem conhecida dos portugueses. Não se pode dizer que a chama esteve sempre acesa durante todos estes anos, nem vale a pena deturpar a realidade ou omitir o facto de que os britânicos simplesmente já não conseguem arrebatar o público como já o fizeram noutros tempos. A oferta, hoje em dia, é bastante se a formos comparar com antigamente o que não abona a favor dos britânicos. Ninguém põe em causa o seu curriculum e os seus feitos e é necessário frisar que este foi possivelmente a melhor actuação da banda nas ultimas passagens por Portugal. Será que isso basta? No fim da sua actuação concluímos que não. De louvar o público fiel que não arredou pé em busca de momentos de nostalgia, certamente com umas duas décadas em cima e que vibrou ao som de épicos como “Faith Divides Us – Death Unites Us” e “Enchantment” mas que também demonstrou o seu agrado com o som mais rasgado de “As I Die” de Shades of God. Na recta final “One Second” e “True Belief” sublinharam um concerto focado nos pontos altos da carreira dos Paradise Lost. Um encore com mais de previsível do que necessário acabou por adicionar aspectos positivos ao concerto. “Pitty the Sadness” do primeiro álbum Shades of God foi um dos momentos chaves da prestação de Nick Holmes e companhia. “Say Just Words” obriga muito metaleiro a sacar dos seus smartphones e gravar o último tema da noite, um aplauso sentido a essa época, já distante na memória, em que o gótico era a música de dança da mancha negra.
Antes demais é importante referir que a SFTD Radio fez batota. A expectativa era bastante grande pelo que viajáamos dias antes para assistir ao concerto que os Gojira deram no Resurrection Fest na Galiza, como podem ler no report. Se por um lado já não sentimos aquele impacto de ver algo assim pela primeira vez, por outro conseguimos ter uma análise crítica um pouco maior. O primeiro reparo passa pela meteorologia. Rapidamente chegamos à conclusão que não há concertos de Gojira sem chuva. Faz tudo parte do espetáculo. Destes há poucos! Se o nosso feedback em Espanha era extremamente positivo, a perspectiva de um concerto de maior duração deixou-nos de sorriso nos lábios. Primeiro aspecto a ter em conta, os franceses eram um dos nomes mais requisitados pelo público português, algo que não é de agora mas reafirmado com o grande sucesso de “L’Enfant Sauvage”. Uma estreia em solo nacional ditaria uma grande procura, sem grandes dificuldades, até mesmo em nome próprio sendo que a adição de mais um dia para os encaixar no cartaz 2014 trouxe grandes proveitos à organização e uma rampa de lançamento para novos horizontes. Segundo aspecto, os Gojira estão numa forma inacreditável e digna de todos os elogios. Ao fim destes anos como promessa, a banda dos irmãos Duplantier já têm o seu som bem definido, uma boa discografia, um lançamento que ambiciona o estatuto de clássico histórico e uma energia muito própria ao vivo. Muitos são os exemplos com que nos cruzamos ao longo dos anos que davam tudo por esta realidade. Ou que deveriam pelo menos. Como o sucesso nem sempre é visto com bons olhos, é normal depararmo-nos com ateus ou simplesmente não praticantes com a crítica na ponta da língua. O mediatismo é um efeito secundário que poderá resultar em mil e uma realidades, quer no tipo de público como na reacção da banda em relação a esse facto mas há que ter em conta isso tudo e tirar o máximo proveito. Numa altura em que se pesa a morte do actor Robin Williams nada como relembrar a máxima Carpe Diem. Ultimo concerto. Nada a perder. Foi com grande entrega que o público os recebeu do princípio ao fim de uma setlist que não defraudou ninguém ao longo dos 14 temas apresentados. Sem surpresa, pelo menos para os fãs mais atentos, “Explosia” faz jus ao nome com um pequeno rastilho introdutório. A multidão cedo se deixou levar sob os comandos de Joe Duplantier. Longe das Linhas de Torres os portugueses viram-se indefesos perante tamanho ataque que não deixava respirar com “The Axe”, “Backbone” e “The Heaviest Matter of the Universe”. Do primeiro álbum já como Gojira (anteriormente Godzilla), Terra Incognita, “Love” foi um dos temas que no Resurrection Fest não constou da setlist e que deram um gosto especial a este concerto em particular. Pormenores que só trouxeram benefícios e que comprovavam o que escrevemos sobre o seu concerto em Espanha: a banda nesta fase retira os proveitos do hype criado em sua volta mas justifica, e bem, todos os pilares que foram criados até chegar a este ponto com temas de registos anteriores, longe de envergonhar o trabalho mais recente. Não é propriamente uma “Black Label” mas aparenta já uma certa tradição o Wall of Death em “Flying Whales”, algo forçado mas que cria sempre uma bela e caótica paisagem da frontline ao PA. Não deixa de ser curiosa esta aposta porque se trata de um tema com uma certa progressividade censurada com o corte da introdução que se pode escutar no álbum From Mars to Sirius de 2005. The Link não ficou de fora nesta celebração com “Wisdom Comes”, mas é com The Way of All the Flesh que se percorrer a recta final: “Oroborus”, e depois “Toxic Garbage Island” com “Vacuity”. Digo depois porque a intervalar esta sequência foi nada mais nada menos do que o momento chave de todo o dia de festival e o catalisador de muito do fenômeno Gojira : “L’Enfant Sauvage” só peca pela necessidade do vocalista em introduzir o tema. O seu riff fala por si e isso basta. Há muito que os níveis de adrenalina estavam altos mas quando se atinge tamanho pico percebe-se que o Evereste foi alcançado. Mais uma vez o encore foi uma mera formalidade, neste caso porque o serviço estava cumprido e haveria pouco a acrescentar. Mas quem é que recusa borlas destas? Um bom solo de bateria antecedeu mais um brinde para os fã mais antigos, ao qual nesse aspecto temos as nossas dúvidas, com “Terra Incognita”. “Where the Dragons Dwell” serviu-se na despedida com aquele travo death metal cheio de pormenores do tal som que os franceses praticam como só eles sabem. Final arrebatador? Talvez não, faltam temas que se destaquem, singles fortes que acompanhem a capacidade em arrebatar como “L’Enfant Sauvage”. Por outro lado isso acaba por ser um indicador de sucesso: o tempo passou a voar com esta setlist que é algo mais que um debitar de musicas, é uma aventura por uma das melhores viagens que o metal tem para oferecer hoje em dia. O resultado é claramente positivo. Uma semana depois, a Full Experience do concerto no Vagos Open Air foi ainda melhor que o fantástico preview que tivemos no Resurrection Fest.
COMENTÁRIOS FINAIS
Muitas são as memórias a guardar desta edição do Vagos Open Air que poderá ser um novo virar de página de um festival que acreditamos estar a crescer de forma positiva. Não viramos costas a aspectos a melhorar, quer em questões de higiene e saneamento assim como de acessos nomeadamente a pessoas com mobilidade reduzida ou com necessidades especiais que têm todo o direito de desfrutar do maior festival de música pesada em Portugal. Uma realidade que eu, como autor deste texto, segui de perto e que me permitiu abrir os olhos para questões que por vezes nos passam ao lado. É de aplaudir a estrutura montada a pensar nesses casos, e aproveito este texto para aplaudir o excelente serviço que o segurança responsável por este espaço nos prestou, um exemplo para todos e acreditem que ainda há muita discriminação negativa, até mesmo neste comunidade. Não deixa de ser irónico por outro lado a rampa de acesso ao campismo que não facilita nenhum comum dos mortais.
Merecedores do nosso apreço estão também os comerciantes locais, os residentes e os Bombeiros que sempre receberam os festivaleiros de forma exemplar. O cartaz 2014 é uma prova do crescimento da Prime Artists e quem fica a ganhar com isso somos nós como consumidores e fãs de música pesada. Para o ano retornaremos ao festival de sorriso nos lábios e cheios de histórias para contar.
Por fim, e a título pessoal, gostava de dedicar estes textos ao meu amigo “Shorty” Pires, o maior metaleiro deles todos!
Até já Vagos!
Texto: Tiago Queirós
Fotos: Nuno Santos
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